Conheça Jovita, a mulher que se passou por homem pra ir à guerra, e morreu de amor

By 27 de junho de 2019Lute como uma garota
Jovita Alves

A cearense Jovita Alves Feitosa conseguiu entrar para o Exército depois de se vestir de homem para lutar na Guerra do Paraguai (1864-1870). Apesar de descoberta, foi aceita mesmo assim. Virou heroína nacional e ficou conhecida país afora como Joana D’Arc brasileira. Era homenageada em peças de teatro, poesias e notícias de jornais.

Mas ela não chegou a ir à guerra. Meses depois de ser aclamada, foi rejeitada pelo Ministério da Guerra sem nem colocar o pé no campo de batalha. Quis voltar para casa, mas o pai também a rejeitou. Tornou-se prostituta, se apaixonou por um engenheiro galês e, depois da terceira rejeição, se matou.

Sua história é contada no livro “Jovita Alves Feitosa: Voluntária da Pátria, Voluntária da Morte” (editora Chão), escrito por José Murilo de Carvalho e lançado em maio. Veja, abaixo, algumas passagens da vida de uma das mulheres consideradas “heroínas da pátria” pelo governo brasileiro:

Decidida a ir para a guerra após ouvir que mulheres eram estupradas A Guerra do Paraguai  completava seis meses em junho de 1865 quando Jovita, então com 17 anos, decidiu se alistar no
Exército. Queria defender a pátria depois de ouvir as histórias dos brasileiros que estavam sendo mortos, mas o que mais lhe revoltou foi saber que mulheres eram estupradas por soldados paraguaios.

Saiu da cidade de Jaicós, no Ceará, e foi até Teresina, no Piauí, para se alistar. Decidiu se vestir de homem porque, ao falar da sua intenção, ouvia das pessoas que “uma mulher não poderia ser aceita no Exército”. Cortou os cabelos com uma faca, atou os seios com uma cinta, se vestiu e se apresentou. Foi aceita, mas a mentira não durou muito.

Vivendo com o Corpo dos Voluntários da Pátria, seção do Exército que juntava voluntários para a Guerra do Paraguai, foi descoberta por uma mulher que notou suas orelhas furadas, apalpou seus seios e a entregou para um inspetor do lugar. No mesmo dia, Jovita foi levada à delegacia.

“Por que chora?”, perguntou o delegado. “Porque estou com trajes de homem em presença de muitas pessoas. E porque agora que fui descoberta não serei aceita para a guerra”, respondeu Jovita. Ela sabia atirar e “tinha disposição para aprender o necessário até para matar o inimigo”, segundo o que foi registrado no interrogatório. Convenceu todo mundo e foi aceita como sargento.

Ao noticiar o ocorrido, o jornal “Liga e Progresso” destacou a coragem de Jovita e a identificou como sendo diferente das outras mulheres. “É sobremodo notável que no sexo feminino, onde naturalmente se aninham o medo e o pavor, apareça esta exceção à regra geral.”

Jovita então embarcou com os Voluntários da Pátria para o Sul do país, a caminho da Guerra do Paraguai. Na primeira parada, em São Luís, ela é homenageada em uma peça de teatro que conta sua história. Em João Pessoa, é presenteada com um anel de brilhantes. Em Recife, é recebida com uma peça em sua homenagem no Teatro Santa Isabel. No Rio de Janeiro, outro espetáculo a celebra.

Estampou jornais e inspirou poesias. Foi chamada de Joana D’Arc brasileira, uma referência à heroína francesa da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que também cortou o cabelo e se vestiu de homem para lutar.

Enfermeira? Não, obrigada

Dias após desembarcar no Rio de Janeiro, Jovita recebeu um comunicado do governo mudando de ideia. Ela havia sido destituída do cargo. O argumento é que não havia “disposição alguma nas leis e regulamentos militares que permita a mulheres a terem praça nos corpos do Exército”, dizia o documento emitido pelo Ministério da Guerra.

Mas lhe davam uma alternativa: “como qualquer outra mulher”, ela poderia “prestar os serviços compatíveis com a natureza do seu sexo” nos campos de batalha. Foi convidada a ser enfermeira, mas recusou. E o governo se encarre Rejeição do pai e retorno ao RJ Jovita procurou pelo pai no Ceará, que não quis nem falar com ela porque havia se magoado com a partida da filha para o Rio de Janeiro. Sem ter onde ficar, decidiu voltar ao Rio, em janeiro de 1867.

Uma reportagem do jornal “Correio Mercantil” dizia que Jovita, de volta à capital fluminense, passou a fazer parte das “elegantes do mundo equívoco”, um eufemismo para falar que ela se tornou prostituta.

No Rio, Jovita conheceu e se apaixonou por um engenheiro galês, que trabalhava na companhia de esgotos municipal, chamado William Noot.

Entre sua chegada ao Rio, em janeiro, até o dia em que foi encontrada morta, oito meses depois, Jovita se envolveu com Noot e deixou a prostituição. Tinha planos de casar e de formar uma família com ele.

Na manhã do dia 9 de outubro, ela recebeu um bilhete de Noot dizendo que seu contrato de trabalho havia terminado e estava voltando, naquela manhã, para o País de Gales.

Ela foi à casa do amante, que ele dividia com outro engenheiro, para confirmar a informação. A escrava da residência atestou a partida de Noot.

Jovita pediu papel e tinta e se trancou no quarto dele. Três horas depois, a empregada abriu a porta e a viu deitada com a mão no coração: ela havia cravado um punhal no peito. Morta aos 19 anos, tinha um bilhete no bolso esquerdo do vestido: “Não culpem a minha morte a pessoa alguma. Fui eu quem me matei. A causa só Deus sabe”.

Em 2018, ela foi incluída no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria” e é uma das nove mulheres a compor o documento oficial do governo que reconhece os brasileiros considerados fundamentais em episódios históricos do país.

do site Universa

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