Carolina de Assis Barros, a terceira mulher a integrar a diretoria do BC — Foto: Divulgação/Banco Central |
Carolina de Assis Barros faz parte de um seletíssimo grupo, um “clube” muito exclusivo onde em 50 anos só três mulheres conseguiram entrar. Ela é só a terceira mulher a integrar a diretoria do Banco Central do Brasil em mais de 50 anos de existência da instituição.
Após 17 anos de banco, onde chefiou o departamento de Comunicação e foi chefe de gabinete da Presidência e da Diretoria de Administração, Carolina foi nomeada para o cargo de diretora em abril do ano passado.
Com o novo posto, Carolina participa de uma das reuniões mais importantes para a política econômica do país: a do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela definição da taxa básica de juros. Na reunião, ela divide a sala com outros oito diretores do BC, todos homens.
Apesar de afirmar que não enfrenta resistência dos outros integrantes do Copom ou da sua equipe, Carolina sabe que as mulheres enfrentam desafios extras ao alcançar cargos de chefia e, por isso, comemora a perspectiva da chegada da segunda diretora da atual gestão: a economista Fernanda Feitosa Nechio.
A chegada da Fernanda será um marco histórico. Será a primeira vez que a diretoria do Banco Central terá duas mulheres. “Eu acho um momento histórico ter duas mulheres na diretoria colegiada, em um grupo de nove pessoas”, disse.
Acompanhe a entrevista:
Quais os desafios para que mais mulheres alcancem cargos de chefia?
Eu vejo sempre dois pontos de atenção quando a gente está falando de inserção das mulheres no mercado de trabalho. O primeiro deles é fazer um trabalho nas instituições, sensibilizar as pessoas para os desafios que essas mulheres vão encontrar à medida que elas progredirem no mercado de trabalho.
O segundo ponto, que na minha opinião, é o mais importante, é justamente fazer um trabalho de motivação, de empoderamento dessas mulheres. Eu acredito muito no papel ativo que elas podem exercer para se inserir no mercado de trabalho. É preciso trabalhar a cresça interna de que você consegue sim transpor desafios, consegue lidar com os desafios do dia a dia do trabalho.
O Banco Central receberá daqui a pouco uma nova diretora. Como você vê esse fato? Você acha que pode ser um marco para que mais mulheres alcancem essas posições?
Eu vejo o momento com muito otimismo. Eu acho um momento histórico ter duas mulheres na diretoria colegiada, em um grupo de nove pessoas. Eu acho que a coisa está mudando significativamente.
Tem uma coisa que eu gosto de comentar e é a respeito da criação de crianças. Isso a gente não observa muito no momento atual, mas certamente na nossa criação isso era muito observado, que é o fato de que a gente via os meninos sendo criados para serem bravos e destemidos e isso reflete na vida adulta.
Hoje quando uma mulher se depara com uma oportunidade de emprego e não preenche todos os requisitos ela não se arrisca, ela não se joga e, talvez, isso seja o grande ‘gap’, o que de fato a gente precise trabalhar com elas, que bate em empoderamento como eu disse anteriormente.
Na reunião do Copom é você e mais oito diretores homens, você sente algum tratamento diferente por ser mulher?
De forma alguma. Eu sempre fui tradada em condições de igualdade desde o meu primeiro dia. Meu tom de voz é mais suave, o tom de voz das mulheres tem que ser diferente, e eu não tenho que elevar o tom de voz para ser ouvida.
Como garantir que as chefes mulheres sejam tratadas de forma igualitária? Existe algum trabalho no BC para incentivar mulheres a chegar a cargos de chefia?
O primeiro é trabalhar as pessoas. Sensibilizar as pessoas para os desafios que essas mulheres vão encontrar à medida que avançarem na carreira. Como conciliar a criação dos filhos, por exemplo, é um desafio. O segundo ponto de atenção que na minha opinião é o mais importante passa juntamente por incentivar, motivar, empoderar, passa por fazer com que elas realmente acreditem no seu potencial de superar os desafios.
Falar em cotas, eu particularmente acho que esse não é o caminho. Eu tenho predileção por ações ativas. A gente trabalha com metas e fortemente com essa questão de incentivo, empoderamento. Ou seja, você incentiva as mulheres a buscarem essas oportunidades. Faz uma ação no sentido de incentivar a buscar essas oportunidades. Porque muitas vezes elas nem se habilitam para aquela vaga, para aquela posição, por não ter todas as condições e por acreditar que não tem todas as condições para se postular a vaga.
A pesquisa da Ipsos mostrou que mesmo as mulheres resistem à serem chefiadas por alguém do sexo feminino. As mulheres deviam se apoiar mais?
Eu que consegui chegar, eu acho que eu tenho uma responsabilidade muito grande em relação às minhas colegas servidores. Em que sentido? Eu acho que quem chega tem o papel de puxar, estender a mão, puxar o debate e também fazer mentoria, estimular e incentivar. Tem o papel de dizer: olha, acredite no seu potencial, você é capaz, encare o desafio, o frio na barriga vai vir, mas não se paralise por medo, não se paralise por ansiedade. Tenha um plano de voo, é muito importante ter um plano de voo, saber onde se quer chegar.
O tempo todo eu me lembrei do meu plano de voo e acho que isso é muito importante. E tem um diferencial a respeito do trabalho das mulheres, que é justamente esmero. Qualidade nas entregas. Eu acho que isso nos posiciona de uma forma muito diferenciada. A mulher é muito detalhista, muito cuidadosa. Elas tendem a entregar tarefas bem-acabadas. Tem um diferencial que nos posiciona e nos coloca em uma vantagem bem competitivas.
Você acredita que o fato de ser um órgão público no Banco Central há menos preconceito?
O BC é predominantemente formado por servidores homens. São 77% de homens contra 23% de mulheres. Quando a gente olha para a hierarquia, para a estrutura, o percentual de mulheres vai depender da camada que a gente vai olhar e varia de 14% a 31%. De novo, eu repito, a realidade está mudando significativamente, mas penso que há muito o que se fazer, e o muito a se fazer tem a ver com sensibilização, não só das instituições, mas também das mulheres de buscar o seu lugar dentro dessas instituições.
Eu acho que o setor público tem um diferencial. Como a entrada é por concurso público você acaba valorizando o mérito. O processo seletivo é o concurso público e a questão do gênero não é uma questão considerada. E não se observa diferenças salariais.
O grande desafio, qual é? O desafio está nas oportunidades que são geradas para essas mulheres que decidem optar pela carreira pública. A gente tem bem mais homens do que mulheres e quando se olha as funções gerenciais a gente observa mais homens que mulheres. É natural que a gente conclua que elas tiverem menos oportunidades que eles. Mas daí eu reforço que a gente precisa preparar a instituição para que ela fique atenta aos desafios do dia a dia, ou seja, a medida que a mulher vai progredindo na carreira quais os desafios ela precisa transpor para progredir ainda mais e, por outro lado, trabalhar de forma mais significativa a questão do empoderamento.
do G1