O machismo que mata pulsa forte e as experiências de uma tarde na Delegacia da Mulher

By 22 de julho de 2019Machismo mata
imagem ilustrativa

Vimos e ouvimos casos e mais casos todos os dias de mulheres vítimas de violência. O passo significativo para acabar com esse ciclo, começa por um Boletim de Ocorrência e a partir disso, começam os outros trâmites, jurídicos e pessoais, para uma vida em paz. Mas esse passo não é fácil.
Precisei acompanhar uma amiga na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. E aqui conto esse relato.
Assim como em grande parte dos casos de violência doméstica, esse se arrastou por alguns anos. Desde a separação do casal até a ida à Delegacia, foram meses de ameaças e perseguições, fora a violência física que ocorreu enquanto viviam juntos.
Chegamos por volta das 14h. Fomos bem atendidas pela recepcionista, que anotou os dados da reclamante. Já havia lá outras três mulheres, todas jovens. Uma delas estava acompanhada de um advogado. Minha amiga estava nervosa, e eu mais ainda. A todo momento ela tentava se justificar sobre a decisão de prestar uma queixa contra o homem que amou, contra o pai do seu filho, e se questionava se aquilo seria realmente necessário.
Eu tinha medo que a demora no atendimento acabasse fazendo com que ela mudasse de ideia…
Seguimos aguardando. Uma outra moça foi chamada à sala da delegada.
Até que chega um camburão da PM. Um homem desce algemado. Cheio de empáfia, se diz vítima da situação. Entra com a cabeça erguida, e olha pra todas as mulheres em tom de deboche. Mesmo algemado, acompanhado de dois PM’s, ele sente a segurança de quem sabe que cometeu uma violência, mas que não se importa com isso.
Sua vítima entra logo depois. Chorando. Machucada. Cheia de hematomas. Ela faz um resumo da sua história pra recepcionista. Todas aquelas mulheres começaram a chorar junto. Independente da jornada de cada uma, todas se enxergaram naquela moça. “Não foi a primeira vez”.
E aquela poderia ter sido a última. Ela estava sendo agredida e uma vizinha ouviu os gritos. Por sorte, uma guarnição da Polícia Militar passava na rua. A vizinha pediu socorro. Ela foi salva, e o homem preso.
Um agente que estava na delegacia comentou: “Ele já tem passagem, já foi preso por assalto e tráfico”. E por que ele estava solto? “Aí você tem que perguntar ao juiz”.
Nessa hora bateu um desânimo. Uma fonte minha, que trabalha no atendimento de mulheres vítimas de violência e que obviamente não será identificada, me falou que a Justiça demora até 100 dias para liberar uma medida protetiva. Ela me contou um caso de um homem que esfaqueou a esposa e que mesmo assim foi liberado, pois o juiz não entendeu aquele fato como tentativa de homicídio.
A delegada pede para nos avisar que aquele caso, dada a gravidade, vai passar na frente da fila de espera, e que vai demorar pelo menos mais duas horas e meia. Todas entendemos, todas concordamos. Mas minha amiga desiste de esperar, e de levar a denúncia à diante.
Mais um caso que parou no meio do caminho.
Sair de casa com o intuito de denunciar um companheiro não é tarefa fácil. Entre o momento do sentimento de construir uma vida, e o limite de não aguentar mais uma situação de abuso e violência, existe um universo de uma vida. E aqui não cabe nenhum juízo de valor.
Nosso papel, enquanto amigas e enquanto sociedade, é acolher, orientar, se mostrar receptiva e principalmente, não julgar. Se a situação se mostrar insustentável e notarmos que a vítima não tem forças para sair disso sozinha, podemos acionar o 123 e fazer a denúncia, sem precisar nos identificar.
Mas nenhuma atitude terá consequências reais sem que a mulher se reconheça como vítima. Sigamos na força da sororidade.
Taty Valéria

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