Um projeto de lei polêmico, que permite que as pacientes optem por cesáreas no SUS, foi aprovado, por 58 votos a 20, pelos deputados estaduais de São Paulo na última quarta (14), em votação no Plenário. O texto seguirá para avaliação do governador João Dória, que pode sancioná-lo ou vetá-lo.
O PL foi criticado por não prever necessidade médica para a realização do procedimento. No texto, Janaina Paschoal (PSL-SP) defende que a gestante pode optar pela cesárea a partir da 39ª semana de gestação na rede pública de São Paulo, mesmo que o médico tenha diagnosticado condições favoráveis ao parto normal.
No plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputados contrários ao projeto argumentaram que a cesárea só deve ser realizada para salvar a vida da gestante ou do bebê. Segundo deputadas da oposição, é preciso incentivar o chamado parto humanizado, com investimento em pré e pós-natal e acesso ao parto vaginal.
Por que precisamos falar sério sobre isso?
É fato que a Organização Mundial da Saúde aponta que a cesariana sem recomendação médica aumenta os riscos de infecção e complicações no parto.
É fato que o Brasil é campeão em partos cesáreos: Dados do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), de 2016, mostram que as cesáreas respondem por 55,6% do total de nascidos vivos no país. Enquanto na rede privada, 84% dos partos ocorrem via cesarianas, no SUS, a taxa é de 40%.
É fato que a violência obstétrica é mais presente em partos vaginais que acontecem na rede pública de saúde.
É fato que as campanhas pelo incentivo e pela humanização do parto normal têm dados resultados, mas elas não atingem a massa de mulheres pobres que precisam recorrer ao SUS.
O projeto é polêmico, mas ele vem para oficializar uma prática, ilegal, que vem sendo realizada há anos no Brasil, inclusive na rede pública, onde é possível “pagar por fora” uma cesariana. O acordo é feito diretamente com o profissional obstetra, que recebe entre 3 e 5 mil reais por uma cesariana na maternidade do SUS.
É pouco provável que a lei seja sancionada, mas ele joga uma luz sobre um problema grave que afeta mulheres de todas as regiões do país, e é preciso falar disso com seriedade, sem idealizações e sem corporativismo barato.
De um lado, nós temos a necessidade urgente de humanizar o parto no Brasil. Temos um contingente enorme de mulheres que passaram por traumas físicos e psicológicos durante o parto, com profissionais que insultam, agridem, negligenciam. Violência obstétrica acontece por conta e obra humana, e não há estrutura, por melhor e mais bem aparelhada que seja, que impeça médicos e enfermeiros de cometer violência, a não ser sua própria cultura e a condição social da paciente.
Nós também sabemos todos os riscos de uma cesariana e todos os benefícios de um parto normal, mas entre a possibilidade de sofrer uma violência durante um trabalho de parto que pode durar horas, e até mesmo dias, é preferível agendar uma cesariana e resolver a situação com menos risco de sair traumatizada do hospital.
A discussão deve ser essa: como a classe médica e a sociedade podem e devem se unir para diminuir o fosso que separa mulheres pobres e vulneráveis das mulheres que podem pagar por um atendimento decente?
Taty Valéria