Ela tem 61 anos, pediu demissão há cinco e está dando a volta ao mundo de bicicleta

By 1 de setembro de 2019Lute como uma garota


A vontade de descobrir o mundo sempre rondou a cabeça de Vera Marques, de 61 anos. Casada e com três filhos adultos, a mulher nasceu na pequena cidade de Echaporã, interior de São Paulo, e sua curiosidade em saber mais sobre a vida não cabia naquele município de 6 mil pessoas. O tempo passou, ela se formou em enfermagem e assumiu a administração de um hospital em Araçatuba, no qual trabalhou por 12 anos. Até que decidiu mudar completamente seus rumos.

No final de 2014, Vera pediu demissão do trabalho, se aposentou e resolveu viajar de bicicleta. Até agora, foram 16 países e cinco continentes, só faltou a Antártida. “Essa mudança me trouxe tranquilidade e menos pressão. Quando você comanda uma equipe e toma decisões, você sente estresse. Então foi uma sensação de alívio, de ter um tempo para mim”, explica ela, que trabalhava desde os 14 anos com carteira assinada.

“Achei na bike a companhia perfeita, porque ela me permite interagir mais com as pessoas durante o caminho”, afirma. A ciclista conta que não é atleta – e tampouco faz exercícios de alta performance para conseguir pedalar tanto. Além disso, nunca se intimidou por estar na terceira idade e seu segredo da longevidade está no básico: caminha todos os dias, pedala aos fins de semana e segue uma alimentação saudável.

“É errado pensar que bicicleta exige de você um condicionamento físico espetacular. O que menos interessa em uma cicloviagem é o desempenho. Deixe se levar pelo momento. Quanto mais lento, melhor: vou parando, fotografando, conhecendo pessoas. Planejamento e conhecer o lugar é bem mais relevante”, explica ela, que tenta pedalar no máximo 50 km por dia de viagem – o equivalente à distância do marco zero de São Paulo, na praça da Sé, até Rio grande da Serra, na região metropolitana da capital paulista.

Com esse pensamento, Vera já percorreu mais de 20 mil km e conheceu milhares de pessoas e culturas, na maioria das vezes sozinha. Sua primeira aventura foi na Estrada Real há cinco anos, maior rota turística do Brasil com mais de 1,6 mil km de extensão e com trechos no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A via foi construída pela coroa portuguesa na época do Brasil colonial e hoje atrai ciclistas de vários lugares.

‘Pedalar em outros países é mais fácil do que pensamos’

A ciclista fez várias viagens depois da primeira experiência a duas rodas. Dentre as tantas, percorreu a Europa, Nova Zelândia, Japão, Patagônia (no Chile e na Argentina) e, mais recentemente, a África do Sul. Como não sabe falar inglês muito bem, ela sempre comunicou com mímicas, desenhos e com o pouco que sabe da língua. Ao seu ver, a aventura mais interessante foi na rede de estradas planejadas para ciclistas do Reino Unido (National Cycle Network), que interliga a Irlanda do Norte, Escócia, País de Gales e a Inglaterra. São vias históricas e vicinais que eram usadas para pedestres e cavalos no passado, mas que hoje ganharam placas e sinalizações para quem quer se aventurar de bike. Vera passou três meses pedalando por esse circuito, cruzando zonas rurais e florestas inglesas.

E não parou por aí: ela percorreu também a Eurovelo, um conjunto de 19 rotas planejadas para ciclistas compartilharem com veículos em todo continente europeu. Algumas beiram o litoral do mar mediterrâneo, báltico e o oceano atlântico. “As trilhas para bicicletas na Europa são muito seguras. Têm mapa, estratégia de alojamento e você encontra hostels albergues bons e baratos em cada cidade”, conta.

A mulher lamenta que as rotas brasileiras não sigam a qualidade estrangeira, mas destaca que isso não é motivo para deixar de viajar de bicicleta pelo País. Segundo ela, o trajeto que mais se aproxima dos padrões internacionais é o do Vale Europeu Catarinense, que passa por vilarejos de colonização europeia. “Gosto de viagens que me acrescentam em cultura e histórias ou percursos que me trazem tranquilidade e bem estar”, explica.

Vera Marques destaca também o Caminho das Missões, no Rio Grande do Sul, que é a rota por onde os jesuítas passavam para catequizar os índios; o Circuito do Lagamar, do litoral sul paulista ao Vale do Ribeira; o Vale dos Vinhedos, na serra gaúcha; e o Caminho da Fé, que percorre as montanhas mineiras. Essa última ela fez com uma amiga sua também na terceira idade.

Vale ressaltar que a mulher oferece consultoria de viagem gratuita para quem se interessa em conhecer os lugares que ela visitou. Só cobra caso a pessoa peça trabalhos que demandem mais tempo. “Se é uma coisa simples e se eu tiver o mapa para emprestar, eu empresto, doo, tiro foto, passo para frente. O que eu puder fazer para fomentar o cicloturismo, eu faço”, diz.Ela destaca que não sabe ao certo quanto gasta em cada aventura, mas calcula uma média de 50 euros por dia (cerca de R$ 230 na cotação atual), considerando hospedagem e alimentação.

Cuidados e um recado a pessoas na terceira idade

Vera diz que nunca passou por grandes apuros em suas viagens. O máximo que enfrentou foi um pneu furado, um temporal inesperado no interior da Inglaterra e os ventos de 90 km/h nas longas estradas da Patagônia.Isso porque ela sempre estuda muito a rota para preparar um passeio seguro. “Carrego uma caixinha de primeiros socorros, aprendi noções de mecânica, não uso roupa de ciclista para não chamar atenção, saio cedo para chegar no destino antes de escurecer e evito lugares isolados”, explica.

Assim, Vera resume seus últimos cinco anos de pedaladas ao redor do mundo como oportunidades de nutrir empatia pelas tantas pessoas que conheceu mundo afora. “Quem está na terceira idade igual a mim precisa interagir, se permitir enxergar o novo, não se acomodar e não olhar só para o próprio umbigo. Tem muita coisa lá fora. A bicicleta aproxima as pessoas: querem saber mais de você, as pessoas deixam você entrar na vida delas e isso me atrai. Eu me abri para o novo”, reflete.Aos 61 anos, Vera não pretende parar de pedalar e já tem em mente sua próxima empreitada: dia 13 de setembro viajará sozinha para a Alemanha de avião e de lá vai para a República Tcheca de bicicleta, margeando o Rio Danúbio.

Da Época

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