A emocionante história das mulheres que perderam os bebês e salvam vidas doando leite materno

By 17 de outubro de 2019Lute como uma garota


Foi no enterro da filha Marcella que os seios da professora Flávia Cunha, 40, de Campinas (SP), começaram a jorrar leite. A menina havia sofrido falta de oxigenação no cérebro e morrido 24 horas após nascer.

No dia seguinte, com os mamas cheias e doloridas, Flávia foi até a maternidade para aprender a ordenhar o leite. Queria doá-lo a outros bebês.

“Por que ordenhar? Você não pode doar, o seu bebê morreu”, ela conta que ouviu da enfermeira. “Mas por que não posso? Sou saudável, não tenho nenhuma doença”, questionou. “Porque isso vai atrapalhar o processo de luto”, respondeu a profissional.

Flávia voltou para casa e durante quatro meses produziu leite, mesmo tendo tomado dois remédios para secá-lo. “Tirava o leite com as mãos, no banho, na pia. Era horrível ver aquele leite todo escorrendo pelo ralo. Foi como viver um segundo luto. O luto do leite”, diz.

Hoje mãe de Manuela, 3, Flávia diz que, por razões emocionais, não conseguiu amamentar a segunda filha. “Foi muito difícil, sofri um estresse pós-traumático. O cheiro do leite era um gatilho para reviver todo o luto anterior.”

O drama de Flávia não é único. Mulheres que perderam seus bebês na fase final da gestação ou após o nascimento e que querem doar o leite são impedidas de fazê-lo nos bancos de leite brasileiros.

As instituições dizem se apoiar em norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2006 que coloca como um dos critérios para a mãe poder fazer a doação “estar amamentando ou ordenhando leite humano para o próprio filho”.

Segundo Danielle Aparecida da Silva, coordenadora do centro de referência da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, a norma da Anvisa é clara em relação à restrição.

Ela afirma que existem razões psicológicas e fisiológicas que contraindicariam essa doação pela mãe que perdeu o bebê. “Pode prolongar o luto.”

Como não está dando o peito nem esvaziando a mama cheia de leite, essa mulher ficaria também mais suscetível a inflamações no seio como a mastite, que também afeta mães que amamentam, causando desconforto e dor. Se não tratadas, podem se transformar em infecção.

“A mulher [que perdeu o bebê] pode ir até um banco de leite e fazer uma ordenha de alívio. Lá será orientada pelos profissionais de saúde, inclusive por psicólogos, que não deve continuar estimulando [a lactação] para que não tenha esse desgaste”, explica.

Em nota, a Anvisa diz que não há proibição expressa para a doação de leite materno por mulheres que perderam seus filhos, desde que atendam aos demais critérios -ser saudável, não fumar, não beber, não usar drogas.

“A necessidade de ‘estar amamentando ou ordenhando LH [leite humano] para o próprio filho’ só se aplica às mulheres cujos filhos estejam vivos”, diz a nota.

Segundo a agência, “a norma não previu a excepcionalidade de doações de mães que se encontram em luto”.

Protocolos internacionais sobre perdas gestacionais ou morte de bebês, como o do sistema de saúde do Reino Unido, dão a opção para a mãe enlutada de fazer a doação do leite, caso seja a sua vontade, ou iniciar a supressão orientada por profissionais de saúde.

Segundo a psicóloga Heloísa Salgado, pesquisadora na área de luto perinatal, não há razões técnicas descritas na literatura mundial que impeçam a doação de leite por mães enlutadas.

“Não podemos fazer normas que restrinjam a escolha da mulher. Elas precisam acolher as várias opções. Ela pode doar o leite, suprimir com medicação, tentar diminuir a produção enfaixando [os seios] ou simplesmente aguardar”, afirma Heloísa, co-autora do livro “Como lidar com o luto perinatal”.

Segundo a psicóloga, a questão vem sendo debatida em maternidades que estão adotando novos protocolos de acolhimento das famílias em casos de perdas de bebês.

“Não atrapalha o luto. Muitas mães relatam que gostariam de ter tido essa opção, mas elas já saem da maternidade com a medicação para suprimir o leite. As poucas que conseguem chegar aos bancos de leite têm negado esse desejo.”

A nutricionista Marina Cardoso de Oliveira, 37, de Ribeirão Preto (SP), passou por isso em 2017. O filho Guilherme nasceu com uma grave síndrome genética e morreu 17 dias após o nascimento. Durante esse período, ela retirava o leite com uma maquininha e dava ao bebê por meio de uma sonda na UTI neonatal.

Do Yahoo Notícias

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