Mulheres quebram tabu, fazem sucesso no mundo dos quadrinhos e reescrevem segmento no Brasil

By 21 de outubro de 2019Brasil, Lute como uma garota


Por onde quer que se olhe, 2019 está sendo, no Brasil, o ano dos quadrinhos produzidos por mulheres. Quantitativamente, já chegamos a pelo menos 30 títulos, entre livros e encadernados (sem considerar edições independentes). É um feito em um mercado tradicionalmente masculino, tanto na criação quanto na representatividade – vá até a banca de revista mais próxima e conte os gibis de herói estrelados por personagens femininas: as HQs protagonizadas por homens são o triplo.

“Não sei quanto o mercado está abrindo os olhos. Acredito mais é que nós estamos chutando a porta. Está cada vez mais difícil ignorar nosso trabalho”, afirma Janaina de Luna, comandante da Mino, editora que está lançando uma trilogia produzida por três jovens quadrinistas brasileiras, Tabu (leia mais ao longo desta reportagem).

Qualitativamente, 2019 trouxe ao país Minha Coisa Favorita É Monstro, obra da americana Emil Ferris que ganhou três prêmios Eisner e os festivais de Lucca, na Itália, e Angoulême, na França; foi o ano em que o principal troféu nacional, o HQMix, destacou Jéssica Groke (Me Leve Quando Sair) e Melissa Garabeli (Saudade) como novos talentos do roteiro e do desenho, além de laurear a antologia Gibi de Menininha – Historietas de Putaria e Terror como melhor publicação mix; também recebemos, recentemente, o delicado Aquele Verão, obra sobre uma garota no fim da infância que valeu às primas Jillian e Mariko Tamaki o Eisner de graphic novel inédita em 2015; e em novembro chegará Spinning, as memórias da adolescência de Tillie Walden, outra vencedora do Eisner (na categoria obra baseada na realidade, em 2018).

— Acho que 2019 tem sido uma grata surpresa, mas ao mesmo tempo vem aquele sentimento de “já estava na hora”. Não é de hoje que mulheres produzem quadrinhos. Um dos nomes que podem provar isso é Trina Robbins (americana de 81 anos, pioneira das HQs feministas e a primeira desenhista da Mulher-Maravilha, em, pasme, 1986, quatro décadas após o surgimento da personagem) — comenta a historiadora Laluña Machado, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Sonia Luyten – Gibiteca de Santos (SP), membro do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e editora do site Minas Nerds. — Mas engana-se quem pensa que isso é o suficiente ou até se coloca em peso de igualdade com as produções que são distribuídas por homens. Existe a necessidade de mais evolução. Não só em relação a oportunidades para roteiristas, artistas ou editoras, mas também quanto à forma como a mulher é tratada dentro das histórias.

Laluña refere-se a um problema antigo, visto em especial nas HQs de ação (tanto faz se forem de super-heróis americanos ou europeias, brasileiras ou japonesas): o papel subalterno e, geralmente, sexualizado destinado às personagens femininas.

— As grandes editoras ainda precisam aprender muitas coisas em relação a representatividade, ou pelo menos parar de reproduzir senso comum, como uma heroína poderosa ficar louca (Jean Grey, dos X-Men, é o maior exemplo), e sexualização desnecessária. Mas os passos estão sendo dados, devagar, mas estão — afirma Laluña. — A publicação de Tina: Respeito, com roteiro e arte de Fefê Torquato, nos faz entender que dá, sim, para contar uma boa história sem os elementos elencados anteriormente. E é bacana ver o maior estúdio da América Latina (o de Mauricio de Sousa) fazendo o grande público entender que o consumo de quadrinhos tem de ser educado também

A HQ citada foi um dos fatos inéditos desta temporada. A coleção Graphic MSP, que apresenta a Turma da Mônica em um contexto mais maduro, promoveu a estreia da principal personagem jovem de Mauricio de Sousa. Em Respeito, Tina precisa lidar com o assédio no ambiente de trabalho.

Até no território masculino dos super-heróis houve o que celebrar: por exemplo, finalmente saiu no Brasil a premiada Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona (2016), escrita e pintada por Jill Thompson. A editora Pipoca e Nanquim, uma das mais prestigiadas desde seu surgimento, em 2017, lançou, depois de 23 títulos, seu primeiro quadrinho com roteiro assinado por uma mulher, Jane, uma versão contemporânea de Aline Brosh McKenna (com desenhos de Ramon K. Perez) para o romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë. E não parou nisso: logo vieram Luz que Fenece, da italiana Barbara Baldi, e O Último Voo das Borboletas, da japonesa Kan Takahama, e em novembro sai Sob o Solo, nova parceria do casal Bianca Pinheiro e Greg Stella. Isso foi coincidência ou a editora entende que há uma produção e um público consumidor que não vinham sendo representados?

— Foi apenas uma coincidência — responde Bruno Zago, um dos três sócios da Pipoca & Nanquim. — Nosso objetivo é publicar bons quadrinhos, de diversas localidades do mundo e que abordem os mais variados temas e estilos. Essas autoras entraram no catálogo por conta da qualidade indubitável de suas obras, e não para suprir uma suposta lacuna do mercado.

Do Zero Hora

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