Os alarmantes dados sobre violência contra a mulher que têm mobilizado a opinião pública também ganharam a atenção do Poder Legislativo em 2019. Desde o começo do atual mandato, em fevereiro, até dezembro deste ano, um número recorde de projetos de lei sobre o assunto foi apresentado na Câmara dos Deputados. No total, foram 158 propostas na área, sendo que 151 delas estão em tramitação. O número é maior do que a comparação com todo o último mandato de quatro anos, de 2015 a 2018, que registrou 138 PLs sobre o assunto.
Na comparação com 2018, em que foram criadas 25 proposições, houve um aumento de 532%. Até agora, o ano com mais propostas na área havia sido 2016, com 44. Os números foram calculados com base em uma busca, no site da Câmara, pelo termo “violência contra a mulher”, entre todos os projetos de lei apresentados neste ano.
Na busca específica por projetos que abordam feminicídio, o aumento, só em 2019, também é expressivo: de 38 para 62 (61 em tramitação). Em comparação com 2018, quando houve somente cinco PLs para o tema, o crescimento é de 1.140%.
Neste ano, a proteção à população feminina foi colocada como prioridade da bancada feminina da Casa, o que, em grande medida, impulsionou o aumento de propostas. Líder do grupo, a deputada professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) justifica o objetivo diante dos dados assustadores. “Colocamos o assunto na centralidade dos trabalhos. À medida que nos aprofundamos no assunto, vemos as fragilidades no sistema, então os projetos de lei começam a surgir para aprimorar a estrutura que já existe”, explica.
Como esse aumento impacta a vida das mulheres?
Para a advogada Alice Bianchini, especialista em direitos das mulheres e autora do livro “Crimes Contra Mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio”, o aumento é positivo, uma vez que mostra que o Poder Legislativo está mais preocupado com esses temas.
“Há uma maior sensibilização. Se, há alguns anos, esses assuntos ainda eram vistos como ‘mimimi’, hoje, os números assustam e são levados a sério”, diz. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher sofre violência doméstica a cada dois minutos, e uma é vítima de feminicídio a cada três horas. “Essa comunicação para a sociedade é importante, para mostrar que são crimes graves. É um trabalho que tem também função didática.”
Por outro lado, destaca, a maioria dos projetos ainda foca em aumentar ou tornar mais rígidas as punições, quando o ideal seria reforçar a prevenção. “Nosso Código Penal é um dos mais severos, em termos punitivos, da América Latina, o problema não está aí. Deveria haver mais ações educacionais”, opina. Entre os PLs em tramitação, destaca os que propõem a criação de programas para falar sobre violência de gênero nas escolas, como a proposição 852/2019, da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que cria a Campanha Nacional Maria da Penha nas Escolas.
Dorinha salienta, porém, que o recorde no número de projetos de lei não significa, diretamente, a diminuição da violência. As propostas ainda precisam ser aprovadas e, depois, colocadas em prática de maneira adequada. Isso depende, também, do fortalecimento das ações dos governos estaduais e das prefeituras, para que, após a sanção, a lei funcione.
“Precisamos garantir que a rede [de atendimento a vítimas de violência] seja eficiente. Se não, pode ter o projeto de lei que for, não adianta se não estiver ao alcance da população”, diz, referindo-se à rede que inclui casas de acolhimento, centros de referência de assistência social, unidades de saúde e de atendimento jurídico.
Promotora de Justiça do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo), Silvia Chakian concorda que o aumento das propostas não repercute, necessariamente, de maneira positiva, e que há outros poderes envolvidos que devem garantir a efetividade da legislação. “A gente já tem, com a experiência de quem trabalha com promotoria criminal, um conjunto legislativo adequado, mas precisa de empenho dos gestores públicos, municipais e estaduais, para o bom funcionamento dele”, diz.
Mais mulheres, mais projetos
O aumento da representação feminina na Câmara em 2019 foi de 51% —de 51 para 77 parlamentares, sendo 43 em primeiro mandato— em relação às últimas eleições. Para Alice Bianchini, essa é uma das explicações para o maior número de projetos de lei na área de proteção às mulheres.
Sobre o tema da violência contra a mulher, dos 159 PLs, 55 são de autoria feminina —cerca de 35% do total. Esse número é maior do que as propostas nos últimos dois anos: em cada um deles, 2017 e 2018, foram criados 27 projetos.
“Não é que mulheres são melhores que homens como parlamentares, mas elas estão mais sensibilizadas para as questões femininas”, diz. Além do aumento, Alice ressalta a coesão da bancada feminina, o que incentiva e dá força para novas proposições.
“Há uma concordância muito grande dentro da bancada feminina. Elas estão unidas nos pontos convergentes. Temas em que há muita divergência, como aborto, por exemplo, são mais delicados, então decidiram tocar nos pontos em que concordam, como combate à violência.”
Para Dorinha, o maior desafio ainda é fazer a sociedade entender a gravidade do problema.”Essa luta não é um discurso de feminista, ideológico. Estamos falando do direito das mulheres à vida.”
Quatro projetos viraram lei
Das sete propostas apresentadas em 2019 que não estão em tramitação, quatro viraram lei, duas foram retiradas pelo autor e uma foi apensada a outro PL.
Das quatro sancionadas, uma prevê a apreensão de arma de foto de agressor; outra exige que o agressor ressarça o SUS (Sistema Único de Saúde) pelo atendimento à vítima; a terceira torna prioridade a matrícula dos filhos das vítimas de violência; e, a última, torna obrigatório o registro de violência contra a mulher no prontuário de atendimento médico.
do site Universa