A abstinência cerebral do governo Bolsonaro mira a falta de sexo como política pública e aumenta coleção de absurdos

By 10 de janeiro de 2020Brasil

Diante da repercussão provocada pela informação de que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos incluiu a abstinência sexual como política pública para sexo seguro e prevenção da gravidez na adolescência, a pasta da ministra Damares Alves divulgou uma nota nesta sexta-feira em que defende a medida, confirma a formulação de uma política pública focada na abstinência e diz ser impossível, por ora, fazer uma “previsão de quanto deve ser gasto e de quais ações serão realizadas”. Por ainda estar em fase de elaboração, não é possível “apresentá-la em detalhes para a sociedade”.

O ministério afirma na nota que a abstinência não substituirá outros métodos de prevenção, como as abordagens sobre métodos contraceptivos e a distribuição de preservativos.

Reportagem publicada pelo GLOBO no último dia 3 revelou como a abstinência sexual foi incluída em nova frente de políticas públicas voltadas ao sexo seguro entre adolescentes e à prevenção da gravidez na adolescência. Para isso, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos passou a programar eventos, com gastos de dinheiro público, em que se defende a abstinência sexual. A defesa é feita por convidados de entidades religiosas, como o pastor Nelson Neto Júnior, idealizador do movimento “Eu escolhi esperar”.

O movimento inspira o ministério, e o pastor esteve pelo menos duas vezes na pasta, em Brasília. O instituto “Escolhi Esperar” já elabora livros didáticos e séries para serem introduzidas nas escolas, como revelou outra reportagem do GLOBO, publicada na última terça-feira.

O ministério de Damares não está sozinho na formulação de políticas voltadas à abstinência sexual. O Ministério da Saúde acabou com a caderneta da saúde do adolescente, um programa elogiado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e que distribuiu 32 milhões de cadernetas em unidades básicas de saúde em dez anos, com informações sobre puberdade, sexo seguro e prevenção da gravidez. Um ofício de julho mostra a descontinuidade do programa, dois meses depois de o presidente Jair Bolsonaro criticar a caderneta.

A coordenadora de Saúde dos Adolescentes e Jovens do Ministério da Saúde, Priscila Carvalho da Costa, estava na plateia do evento feito pelo ministério de Damares a favor da abstinência sexual, em 6 de dezembro, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados. Priscila fez uso da palavra ao fim das palestras. Ela concordou com o que foi dito pelos palestrantes e defendeu que a abstinência sexual seja levada em conta na hora de definição de políticas públicas. É ela quem assina o ofício do Ministério da Saúde, juntamente com Maximiliano das Chagas Marques, diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, comunicando o fim da caderneta de saúde do adolescente. O documento foi assinado em 8 de julho.

Ao contrário do Ministério da Mulher, o Ministério da Saúde segue em silêncio e não respondeu a nenhum questionamento dentre os enviados pela reportagem do GLOBO. Dentro da pasta, a preocupação é deixar a defesa da política de abstinência sexual, alvo de fortes críticas desde a revelação de que a prática passará a ser uma política de governo, para o ministério de Damares.

Política pública

“Diante do relevante debate público atual, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos vem esclarecer que está em formulação a implementação de política pública com abordagem sobre os benefícios da iniciação sexual tardia por adolescentes como estratégia de prevenção primária à gravidez na adolescência”, diz a nota divulgada nesta sexta.

“Foi nesse sentido que o ministério realizou no dia 06/12/2019 seminário sobre a prevenção da gravidez precoce. O objetivo foi promover o diálogo sobre tais abordagens como meio de diversificar metodologias existentes.” No evento, não havia palestrantes que não fossem ligados a correntes religiosas ou críticos da abstinência sexual.

A pasta diz que “os estudos estão sendo aprofundados” e que “a política pública ainda está em construção”. Por essa razão, “ainda não é possível apresentá-la em detalhes para a sociedade”. O ministério voltou a defender que estudos científicos apontam êxito desse tipo de política, citando um único estudo feito no Chile em 2005. A pasta ignorou diversas outras pesquisas, todas mais recentes e boa parte feita nos Estados Unidos, onde o governo brasileiro busca inspiração, que mostram o fracasso desse tipo de política.

Do Yahoo Notícias

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