Um roteiro bem conhecido e que infelizmente ainda faz parte da rotina de milhões de brasileiras é a jornada dupla, e às vezes tripla. Esse cotidiano pesado se potencializou com a quarentena imposta pela pandemia da Covid-19 e pode ser o estopim para a violência psicológica, um tipo de abuso que, apesar de muito comum, pode passar despercebido.
Problemas na divisão dos afazeres domésticos têm sido motivo de início não apenas de crises
conjugais, mas de situações de violência doméstica, principalmente psicológica, com o risco de chegar em agressões físicas.
Trabalho doméstico é sobrecarga física e mental
Para a promotora Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, promotora do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), o excesso de trabalho doméstico já é, por si só, um fator de estresse e sobrecarga física e mental para as mulheres. “E aí se cria um ambiente propício para a violência no momento em que elas solicitam a colaboração dos homens”, explica Fabiana.
Ela cita dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para ilustrar a diferença de responsabilidades no âmbito da casa. “Enquanto mulheres dedicam 20,9 horas por semana para as tarefas do lar, os homens dedicam 10,8 horas”, diz, ressaltando que esse quadro não muda muito mesmo com a quarentena.
“Dos homens sempre foi exigida a virilidade e a agressividade como forma de sua masculinidade ser afirmada. O espaço privado foi construído para a atuação das mulheres; já o espaço público, o que também podemos chamar de espaço político, foi permitido ao homem”, explica a jurista Renata Bravo, especialista em direitos humanos das mulheres e assessora jurídica do Ministério Público do Espírito Santo.
“Daí vem toda uma discussão de divisão sexual do trabalho e por isso há estudiosas que defendem que os serviços domésticos são tão desvalorizados. Houve uma construção dos papéis sociais para que os homens se entendessem como menos ‘machos’ por realizarem a tarefa doméstica, afinal o cuidado da casa sempre foi da mulher.”
Renata é uma das fundadoras do coletivo Juntas e Seguras, que pretende ajudar vítimas de violência doméstica durante a quarentena causada pela pandemia de Covid-19.
Remédio para dormir por não aguentar reclamação
A assistente social Lucy Lima, que já foi vítima de violência doméstica e hoje coordena a ONG Cordel Social para ajudar outras mulheres, relata estar recebendo diversas mensagens de esposas que já não aguentam lidar com maridos negligentes.
Mais do que não aceitarem dividir tarefas, usam como argumento para ofender as esposas pelo fato de elas não estarem fazendo o serviço doméstico corretamente, segundo eles. Isso, segundo a Lei Maria da Penha, pode ser considerado violência psicológica, uma vez que há tentativa de “degradar ou controlar”, como diz a lei, suas ações e comportamento.
“Em um dos casos, uma vítima contou que está tomando remédio controlado para dormir mais porque não aguenta o marido reclamando de tudo que ela faz: do almoço, do jantar e até da roupa, que diz estar mal lavada”, conta Lucy.
Para Renata, apesar dos vários casos que estão aparecendo, há a percepção de que mais mulheres estão se dando conta de que não é obrigação delas arcar com toda a responsabilidade da casa, tampouco com reclamações constantes do marido por não ter feito algo como ele gostaria.
“Embora tenhamos uma resistência de parcela da sociedade que quer manter essa divisão, temos discussões sobre a responsabilidade dos cuidados e afazeres domésticos sendo realizadas em meios amplamente difundidos, como novelas e reality shows”, diz
“Também vejo um crescimento na troca de ideias e informações entre gerações, com muitas adolescentes e jovens militantes e engajadas com as pautas de movimentos feministas levando para dentro dos lares essas demandas e essa reflexão, o que ressoa em todo o resto da família, inevitavelmente.
da redação, com informações do site Universa