“Na minha casa eu só sou assumido de verdade para o meu pai e minha madrasta. Minha avó e outras pessoas que moram com a gente talvez suspeitem, mas nunca cheguei a conversar cara a cara sobre isso. O único local em que me sinto realmente confortável é no meu quarto, onde gravo vídeos, faço memes e coisas que me permitem a expressão do meu jeitinho. A partir do momento em que eu saio do quarto, é como se eu estivesse interpretando um personagem, sabe? Então, sim: eu tento não dar muita pinta para manter minha sanidade mental.”
O relato de um fotógrafo de Manaus (AM) mostra que pessoas LGBTQI+ sofrem com mais um agravante durante a pandemia de coronavírus: a de precisar conviver, sob o mesmo teto, com familiares LGBTfóbicos.
Com medo de rejeição, agressões físicas e verbais e expulsão, a parcela da população que sofre preconceito por sua orientação sexual ou identidade de gênero acaba evitando ser quem é — o que significaria “dar pinta” para alguns — neste momento em que está sem sair de casa.
Não há levantamentos oficiais sobre o impacto que o isolamento social tem na vida dessas pessoas, como acontece com os casos de violência contra mulher. No entanto, sabe-se que a homofobia familiar é uma realidade, por exemplo, durante as festas de final de ano: um estudo britânico revelou, no ano passado, que 30% dos gays entrevistados ouviram piadinhas e comentários homofóbicos dentro de casa — em meio ao Natal e ao Ano-Novo.
A situação pode gerar ansiedade e prejudicar a saúde mental. O assunto veio à tona nas redes sociais nos últimos dias — inclusive após uma jovem, menor de idade, relatar que foi agredida fisicamente pelo próprio pai por ser lésbica. O dia 17 de maio marca ainda o Dia Internacional contra a Homofobia.
Como lidar com isso? Conversamos com o psicanalista Hamilton Kida, fundador do coletivo Rainbow Psicologia, grupo de terapeutas que atua com enfoque no atendimento a pessoas LGBTQI+, para dar dicas caso você esteja passando por esse momento.
O psicanalista explica que é comum que pessoas LGBTQI+ busquem um refúgio durante o isolamento social. O quarto ou um ambiente em que não se sintam vigiadas pode ser esse local de acolhimento. Até porque as relações humanas podem melhorar ou piorar com a convivência mais intensa. “Pode ser uma chance de um casal de aproximar, por exemplo, mas também gerar violência, física e emocional”, diz.
Resultado: o indivíduo tenta continuadamente disfarçar sua própria identidade. “Isso pode partir da percepção de que as outras pessoas não o estão validando”, afirma o psicanalista. A situação pode gerar sintomas de ansiedade e depressivos e síndrome do pânico — que podem estar justamente atrelados à questão momentânea do isolamento.
Hamilton analisa que jovens, entre 18 e 25 anos, que não têm independência financeira e que precisam morar com os pais ou com outras pessoas, são “os mais suscetíveis à repreensão de comportamentos”.
Busque rede de apoio
Se você está passando por isso, a orientação de Hamilton é se cercar de uma rede de apoio — faça chamadas virtuais com amigos, mande mensagens, entre em grupos nas redes sociais em que você se sinta seguro para falar.
Em tempos de pandemia, o Conselho Federal de Psicologia liberou o atendimento virtual a todos os profissionais. Se possível, busque ajuda de um profissional especializado. “Esse é um momento de termos um carinho com nossa saúde emocional”, diz o psicanalista.
Caso você decida assumir a orientação sexual agora, por estar mais próximo dos familiares, certifique-se se tem uma rede de apoio presente. “São eles que serão o suporte se as coisas não saírem como a pessoa esperava. Vão ajudar a administrar as emoções.”
Vale dizer que o único aceno feito pelo governo federal às pessoas LGBTQI+ em tempos de pandemia foi a publicação de uma cartilha, em abril. Parte do texto era direcionada a profissionais do sexo e sugeria, como medida preventiva, que eles se adaptassem para oferecer serviços virtuais.
do Universa