Samara morava com os cinco filhos e o marido, que desde o início do relacionamento, se mostrava abusivo. “Ele dizia que eu era feia, gorda, que não iria achar mais ninguém que gostasse de mim. Me traía e colocava a culpa em mim. Era uma manipulação mental e sentimental. Um dia, ele puxou meu cabelo e apertou meus braços. Mas, na minha cabeça, isso não era agressão”.
Numa noite de novembro de 2019, em Teresina, capital do Piauí, o marido de Samara chegou bêbado em casa e exigiu que ela entregasse à ele o dinheiro da venda das semijoias, fruto do trabalho de Samara. Ela não quis entregar. Depois de xingar a esposa, o homem a agrediu com um soco, e o fato dela estar com um bebê de oito meses no colo, não o impediu. Os outros filhos estavam na casa da avó, mãe de Samara, e foi pra lá que ela fugiu, carregando um bebê e nada mais. Nem roupas ou documentos.
O marido de Samara então, como vingança, botou fogo na casa e destruiu tudo. Ele ainda tentou fugir, mas foi imobilizado por vizinhos e chegou a ser levado para a delegacia, mas, segundo a vendedora, foi liberado no dia seguinte, durante a audiência de custódia. Samara conseguiu uma medida protetiva contra ele, e as visitas ao filho do casal são restritas.
Sem casa, móveis e roupas, Samara e os cinco filhos foram morar na casa da mãe dela. As cinco crianças passaram a dividir a mesma cama, e a família contou com a ajuda de doações para conseguir roupas. Abalada, a vendedora nunca mais havia retornado ao imóvel até que, no início de julho, decidiu encarar a dor e ir pela primeira vez até a casa. “Fiquei quase oito meses sem conseguir olhar o lugar. Quando passava pela rua, eu desviava o olhar, mudava de calçada. Não queria lembrar e reviver tudo o que tinha acontecido.”
Foi depois de uma conversa com os filhos, em que eles demonstraram o desejo de retornar para a casa da família, que Samara encarou seus medos e decidiu que ela mesma iria começar a reforma do imóvel. “No incêndio, eu perdi todas as semijoias que eu vendia. E a nossa situação financeira ficou bem complicada. Como não tinha condições de pagar a mão de obra de um profissional, eu peguei algumas ferramentas do meu pai e comecei a fazer o que conseguia. A primeira coisa foi tirar os entulhos que restaram e raspar a parede para tirar as marcas do fogo”, explica.
Para seguir com a mão na massa, Samara passou a postar em suas redes sociais o passo a passo da reforma. Depois do primeiro vídeo, começou a receber doações de moradores da cidade. Conseguiu materiais de construção, dinheiro e até mesmo pessoas se oferecendo para ajudar na mão de obra apareceram. “Eu jamais imaginei que uma coisa tão simples teria toda essa repercussão. Eu fiz para me inspirar e não me deixar desistir. E, de repente, todo mundo começou a entrar em contato”, diz.
Além disso, uma vaquinha virtual foi criada para arrecadar dinheiro para ajudar nos custos com a obra. “A vaquinha começou dia 8 de julho e, em 15 dias, batemos a meta de arrecadar R$ 42 mil. Esse dinheiro será todo usado na reforma da minha casa, para comprar móveis e roupas para os meus filhos. Vou recomeçar minha vida do zero.”
A vendedora diz que recebeu dezenas de mensagens de mulheres relatando problemas similares. Alguns desses relatos vêm de outros países, como Portugal e França. “Muitas mulheres me mandaram mensagens se solidarizando com a minha situação e que, depois de conhecerem a minha história, se identificaram e criaram coragem para tomar uma decisão e sair da relação”, diz Samara. “E tem também garotas de 16 anos que dizem que querem ser como eu sou, ter essa força e garra. E isso me inspira cada vez mais.”
Lute como uma garota. Lute como Samara.
da redação, com Universa