Machismo, religião, uma campanha eleitoral e um circo armado em Conde

By 3 de outubro de 2020Vá se tratar

Como é possível que, em pleno 2020, ainda nos deparemos com as consequências danosas que mistura de machismo X religião provocam na democracia?

O que acompanhamos, junto com a população de Conde, na manhã deste sábado (3),  foi um ato pitoresco, digno de Sucupira, cidade fictícia da obra O Bem Amado, do dramaturgo Dias Gomes. Aquele tipo de espetáculo surreal onde comentamos: “só podia ser numa novela”. Mas a novela é da vida real.

A prefeita Márcia Lucena, que é candidata a reeleição pelo PSB, foi posta dentro um de um circo armado e milimetricamente arquitetado por um padre e grupo político antagônico ao projeto político dela, o da candidata a prefeita Karla Pimentel (PROS).

O fato é engraçado em essência, mas não deixa de ser um alerta. Pela manhã, o padre Luciano Gustavo Lustosa da Silva, resolveu pintar o Cruzeiro, símbolo religioso e histórico localizado em frente a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade, e por isso, alegou que a prefeita Márcia mandou prendê-lo. Pausa dramática.

Cruzeiro antes da restauração

O tal Cruzeiro é uma obsessão do padre em questão. Em 2018, começou uma campanha extremamente nervosa e exaltada afirmando que “houve profanação do espaço religioso”, que o Cruzeiro “deveria ser removido para posteriormente ser afixado ao lado da igreja”. O argumento dele é a construção da rodovia 018, na década de 1980, que passa entre a igreja e o Cruzeiro. Uma ‘profanação’ que nem mesmo o arcebispo da Paraíba Dom José Maria Pires protestou à época. A estrada em questão trazia, finalmente à cidade, progresso.

Conde era até então um lugar ermo e muito capenga com relação a mobilidade urbana.

Vê-se claramente que o padre Luciano Lustosa mal conhece a história da paróquia que ele representa e muito menos da cidade em que ela está inserida. Vale salientar que o padre Luciano foi transferido para a paróquia de Conde em 2016, pelo então Arcebispo Metropolitano da Paraíba, Dom Aldo Pagotto.

Acontece que seria um crime remover o Cruzeiro do lugar. Ele é o marco zero da cidade. E é preciso fazer um resgate histórico para que se demonstre com clareza que os ataques do padre e o grupo político que o auxilia, caem por terra.

Cruzeiro depois da restauração

Por volta de 1670, o território que hoje chamamos de Conde era pertencente à Capitania de Itamaracá. Foi nesta época que a igreja chegou até este povoado e fixou o Cruzeiro, como forma de mostrar que existia um domínio religioso na aldeia. É o nascimento oficial do povoado. Somente anos depois, em 1743 é que se há registros da igreja construída. E em 1768, a aldeia foi reconhecida pela Coroa Portuguesa como Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Jacoca.

O estilo arquitetônico da igreja é o maneirismo colonial jesuítico. Em linhas gerais: uma capela com uma porta e duas janelas elevadas sobre ela, com um cruzeiro dentro da igreja com a imagem de Jesus crucificado e um cruzeiro à frente da igreja, sem a imagem.

Ele, que publicamente é opositor da prefeita Márcia Lucena, usava das homilias nas missas aos fiéis para criticar e difamar a gestora. Sempre dizia que a prefeita “não prestava, macumbeira, que roubou dinheiro público, teria tido cara de pau para guardar fortuna” e “para pedir em uma vaquinha virtual dinheiro ao povo pobre do Conde”. E foi mais além: disse que ela era “bandida e que não devia usar tornozeleira e sim estar presa”.

É nítido que o padre escolheu fazer coro a um movimento conservador que não tolera que mulheres estejam em espaços de poder. Se estiver, que esta seja a ungida do Senhor, com homens no seu entorno como seus prepostos. Um machismo que ele chancela com a benção divina. Como se Deus o fizesse instrumento para combater uma mulher competente, séria e comprometida com a coisa pública, ou para combater qualquer outra mulher, ou qualquer outro homem, apenas por considerá-los opositores.

Voltando ao acontecimento deste sábado: o padre pintou o Cruzeiro e logo em seguida, um blogueiro deu luz ao espetáculo a seguir.

Dois guardas municipais teriam dado voz de prisão ao pobre padre. O momento que ele foi conduzido para a Delegacia de Alhandra para “prestar esclarecimentos” sobre a pintura do monumento, foi transmitido ao vivo para todo mundo ver. Devidamente paramentado, devidamente articulado, e devidamente acompanhado.

No vídeo, inacreditavelmente padre Luciano mente. Mente ao dizer que a prefeita Márcia Lucena teria mandado prendê-lo. Não houve nenhum comando dela, nem do chefe da Guarda Municipal contra ele. Mente ao dizer que o Cruzeiro é patrimônio da Igreja Católica. E bem, não é. Nem da Igreja Católica, nem do padre e nem da prefeitura. É um monumento que está no passeio público, pertence ao povo e sim, administrado e mantido pela Prefeitura de Conde.

Inclusive, com a reforma do Centro da cidade, a gestão da prefeita Márcia Lucena fez uma importante intervenção no Cruzeiro. Ele estava deteriorado, com risco de desmoronar, poderia machucar pessoas que estivessem transitando por lá. Em meio a obra, a Prefeitura trocou o monumento por um novo, feito de madeira mais resistente, com a pintura de cor azul colonial, laqueada. Por que azul? Por que remete ao barroco e nesse movimento artístico, o azul é evoca ao divino e é usado em cruzeiros e outras decorações religiosas. (seria demais cobrar esse tipo de conhecimento de um leigo, então vida que segue).

Mas não foi apenas a troca do Cruzeiro. A prefeita, após diálogos com os fiéis da paróquia, decidiu restaurar a base do monumento, que é de pedra calcária esculpida no estilo barroco e é original do século XVI. Também mandou construir o estreitamento da rodovia 018, no trecho entre a igreja e o Cruzeiro, para que o local tivesse um grande calçadão com piso drenante, projetado para enaltecer o Marco Zero da cidade e para obrigar que veículos que transitem pelo local, diminuam a velocidade,, protegendo os fiéis de possíveis acidentes. Além disso, cuidou da iluminação da igreja.

É importante destacar que no momento em que os dois guardas municipais, que agiram sem nenhum comando da Prefeitura, conduziam o padre para a viatura de policiamento comunitário, o marido da candidata Karla Pimentel, o advogado Herman Ludgren (que é filho dos ex-prefeitos Aluísio Régis e Tatiana Ludgren) saía da casa paroquial. Não apenas ele, mas outros dois candidatos a vereador da coligação opositora. Um grupo político que, até o momento, não tem demonstrado pudor de usar a religião de maneira politiqueira. É a sociedade do espetáculo, que tem em setores da imprensa um grande aliado, visto que as manchetes com “CRISTOFOBIA” se mantiveram em destaque em alguns portais locais, mas a devida apuração do fato, e a resposta da prefeita Márcia Lucena, ficou relegada ao esquecimento. E sobre intolerância religiosa e o famigerado termo “cristofobia”, me falem dele quando cristão começarem a ter seus templos depredados.

É lamentável que esse tipo de comportamento possa vir de um líder religioso, que tem como obrigação pregar o amor, a solidariedade, e a verdadeira essência dos ensinamentos de Cristo. Na verdade, ele vocifera o que grupos políticos conservadores e de extrema direita dizem pelo mundo.

O que se clama é Justiça neste episódio. É preciso que a Arquidiocese da Paraíba apure devidamente os fatos e dê ao padre Luciano as punições cabíveis. Depois de anos envolvida com escândalos mal apurados e demonstrações públicas e explícitas de apoio político, a Arquidiocese da Paraíba, sob o comando de Dom Delson, nomeado pelo Papa Francisco em 2017, vem resgatando o respeito não só dos fiéis católicos, mas de todas as instituições sociais.

 

Taty Valéria

Leave a Reply

%d blogueiros gostam disto: