Rita Capotira é daquelas mulheres que não se resumem ou se limitam a algo; ao mesmo tempo, trabalha para transformar realidades. Aos 48 anos, a indigenista é também ativista do movimento negro, artesã, pedagoga, comunicóloga e mestranda em estudos africanos, povos indígenas e comunidades tradicionais da Uneb (Universidade do Estado da Bahia).
Com o pai capoeirista e escultor e a avó materna que fazia brincos e enfeites de cabelo, aprendeu artesanato cedo. As referências artísticas e ancestrais carregam a sua tese de mestrado, o projeto Memória Viva de Itapuã. Nele, Rita mobiliza a economia local feminina e valoriza a memória ancestral com ações, como a Feira das Mulheres de Itapuã, onde mora há 30 anos, mas frequenta desde a infância.
“Itapuã foi território indígena dos povos Tapuias e dos Tupinambás. Abrigou o Quilombo Buraco do Tatú e foi um importante porto clandestino de negros que vinham para serem escravizados”, acentua Rita.
A artesã considera o estudo da cultura local um dos caminhos essenciais para estimular a autonomia das mulheres periféricas e das comunidades tradicionais. A feira, por exemplo, já teve três edições e chegou a reunir 30 mulheres “itapuãzeiras”, forma carinhosa como as moradoras do bairro se autodenominam, e que juntas impulsionaram seus negócios.
Além dessa ação empreendedora, o projeto geralmente promove oficinas, palestras e ações educativas com o objetivo de desmistificar a cultura negra e dos povos indígenas que fazem parte da história do bairro.
Para a artesã Ana Carla Souza, 31, moradora de Itapuã há nove anos, participar da feira representa também liberdade financeira. “Meu sonho é que [o projeto] se desenvolva e consiga atrair mais mulheres que estão passando dificuldades para podermos abrir a mente dessas mulheres. Que elas saibam o poder que elas têm e como podem trabalhar para si próprias e se manterem sem depender de seus maridos e de sua família. A ideia é crescer essa cultura aqui no bairro”, afirma.
No ano passado, Rita viu o Memória Viva de Itapuã ser afetado pela pandemia da Covid-19 e a necessidade de pensar em alternativas para manter o grupo ativo. “A gente passou esse tempo alimentando o corpo e a mente. Através do grupo de WhatsApp, fizemos uma formação sobre o uso da internet, tivemos mulheres indígenas, periféricas e quilombolas participando durante julho e agosto […] Isso porque nós identificamos que a maioria das mulheres não sabiam usar o celular para as vendas”.
Rita compartilhou suas habilidades e trocou aprendizados. “Não sou especialista, me formei em comunicação há muito tempo atrás, mas fiz vários cursos para me atualizar no marketing digital e tudo que aprendi repassei para elas. Foi uma experiência muito legal porque nós trouxemos esse conhecimento para a linguagem das comunidades tradicionais e periféricas”, conta.
Para a artesã Ana, participar dessa rede foi algo amparador durante esse período da pandemia. “É um grupo de mulheres que se apoiam e sempre estamos preocupadas umas com as outras. Isso na pandemia foi muito importante porque não me senti só e nem desamparada, eu sabia que podia contar com alguma delas”.
Outra integrante do projeto é a artesã Noélia Pereira Bispo, 60, que trabalha com bolsas, crochê, macramê, pintura em tecido e faz “de tudo um pouco”, como define. “O grupo aqui de Itapuã é muito bonito. Eu participo da Feira das Mulheres e sempre vende bem, vende direitinho; o pessoal gosta muito do nosso trabalho”, conta.
Durante os últimos meses, com a pandemia, Noélia afirma que os negócios foram impactados. “Agora com a pandemia não podemos fazer aglomeração, mas estamos fazendo online. A pandemia diminui bastante as vendas, mas estamos na batalha do dia a dia, apresentando nosso trabalho nas redes sociais, nas feiras online e a gente vai levando como pode e como Deus ajuda”.
Apesar das adaptações causadas durante o período de quarentena, Rita faz um balanço positivo dos últimos três anos do Memória Viva de Itapuã e vê a região como um piloto. A empreendedora conta que já está se articulando com outros bairros periféricos de Salvador, como Sussuarana, Bairro da Paz, Cajazeiras e outras comunidades tradicionais, para que mulheres de diversos territórios possam aplicar o projeto em suas comunidades.
“O conhecimento quando acaba em você se extingue. Quando você multiplica, ele fica para a humanidade. Quero que esse projeto fique para humanidade, não quero que fique para mim”, diz.
Do ATarde/Agência Mural