A triste história de meninas obrigadas a casar com o estuprador

By 6 de maio de 2021Especiais, Machismo mata

Amina Filali tinha 15 anos quando contou aos pais que havia sido estuprada.

A família, “seguindo o conselho de um funcionário da Justiça”, segundo disse o pai da menor de idade, a obrigou a se casar com o estuprador, um homem de 25 anos.

Meses depois, após denunciar diversas agressões, a adolescente se matou aos 16 anos.

Amina morreu em 2012 em um pequeno povoado no Marrocos, e seu caso emblemático desencadeou protestos e campanhas de grupos de mulheres ao redor do país.

Dois anos depois, o Parlamento do Marrocos enfim derrubou a lei que permitia ao estuprador escapar da Justiça se casando com a vítima.

Mas isso ainda é realidade em diversas partes do mundo, incluindo a América Latina, segundo o recente relatório do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) intitulado “Meu corpo me pertence”.

Segundo o documento, quase metade das mulheres em 57 países em desenvolvimento não têm autonomia sobre seus corpos, e lhes são negados os direitos de decidir se desejam ter relações sexuais, se podem usar métodos contraceptivos ou se podem buscar atendimento de saúde, por exemplo.

Estupro marital, falta de autonomia das mulheres sobre o próprio corpo e as violências que nos atingem no dia a dia

O estupro e as leis que perdoam o estuprador são apenas dois exemplos em uma longa lista de violações que também inclui casos como mutilação genital ou testes de virgindade.

E mesmo em países que revogaram regras que livram o estuprador caso ele se case com a vítima, outras práticas ainda permitidas por lei podem acabar tendo o mesmo resultado.

Quais países têm leis como essas?

O relatório da ONU cita como uma de suas fontes relatórios da ONG internacional Equality Now, com sede em Washington.

Em seu relatório de 2017, Equality Now destacou vários exemplos de países no Oriente Médio e Norte da África onde um estuprador pode escapar da Justiça por meio do casamento: Iraque, Bahrein, Líbia, Kuwait, Palestina, Tunísia, Jordânia e Líbano.

Outros exemplos citados no relatório da ONU são Angola, Argélia, Camarões, Guiné Equatorial, Eritreia, Síria e Tajiquistão.

Vítimas casadas com seus estupradores ficam presas a relacionamentos que as expõem a novos estupros em potencial e outras agressões pelo resto da vida. A “desonra” pela perda da virgindade é vista pelas famílias como um mal maior do que a integridade de suas filhas.

Esses padrões também existiam na Europa. A Itália, por exemplo, os eliminou em 1981 e a França, em 1994.

Qual é a situação na América Latina?

A maioria dos países da região revogou artigos em seus códigos criminais que permitiam que um estuprador fugisse da justiça casando-se com sua vítima.

Mas essas mudanças legais são incrivelmente recentes. Por exemplo, regras assim foram eliminadas no Uruguai em 2006, na Costa Rica em 2007 e na Bolívia em 2013.

No Brasil, uma lei promulgada em 2005 extinguiu o trecho do Código Penal que previa o casamento como forma de extinguir a punição para casos de estupro. No entanto, um artigo no Código Civil deixava margem para encerrar a punição se houvesse casamento entre agressor e vítima. Esse trecho foi modificado em 2019.

Atualmente um país da região latino-americana, a República Dominicana, ainda possui um artigo em seu Código Penal que permite ao autor de uma violação escapar de sua sentença mediante casamento.

Casamentos infantis

Mesmo em países que não possuem mais normas que livram o estuprador em caso de casamento, outras práticas podem ter efeito semelhante.

Vários países da América Latina permitem o casamento de adolescentes com menos de 18 anos desde que tenham autorização do pai ou da mãe, do tutor ou da autoridade judiciária. No Brasil, adolescentes podem se casar civilmente aos 16 anos com autorização dos responsáveis.

De cada quatro meninas no Brasil, uma ainda se casa antes de completar 18 anos de idade, o que coloca o país na 4ª posição do ranking mundial de casamento infantil de meninas.

da BBC Brasil

 

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