Primeira mulher acusada de feminicídio no Brasil é condenada a 18 anos de prisão

O Tribunal do Júri de Santa Maria condenou, nesta quinta-feira (23), a primeira mulher acusada de feminicídio no Brasil. Wanessa Pereira de Souza foi sentenciada a 18 anos e 9 meses de prisão em regime inicial fechado, sem direito a recorrer em liberdade.

Wanessa foi condenada pela morte de Tatiana Luz da Costa Faria. De acordo com a acusação, a ré ateou fogo no apartamento onde morava com a companheira, que teve 90% do corpo queimado e não resistiu aos ferimentos.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou que Wanessa foi sentenciada por homicídio com três qualificadoras: feminicídio, motivo fútil e emprego de fogo.

“Ah, então significa que mulheres também podem ser condenadas por feminicídio?”

Sim, podem sim.

Debates sobre violência contra a mulher costumam abordar o agressor como sendo sempre um homem. Mas as leis do Feminicídio e Maria da Penha não fazem distinção quanto ao gênero ou a orientação sexual de quem pratica as agressões. Por isso, também é considerado feminicídio o assassinato de uma mulher, cometido em contexto de violência doméstica, por outra mulher —no caso, sua companheira ou ex.

O primeiro caso de feminicídio de autoria feminina reconhecido pela Justiça brasileira é justamente o dessa reportagem, e foi registrado em setembro de 2019 — a lei que trata especificamente sobre esse tipo de crime é de 2015.

Segundo testemunhas ouvidas pelo Ministério Público, a relação das duas era “conturbada”. Wanessa demonstrava ter um sentimento de posse sobre a parceira e tinha crises de ciúme. Na manhã que antecedeu o crime, cometido por volta de meio-dia, elas discutiram por mensagens de celular. Wanessa ameaçou Tatiana: “Vou tacar fogo em você”.

Wanessa Pereira de Souza foi sentenciada a 18 anos e 9 meses de prisão 

 

“Ficou caracterizado que havia um contexto objetivo de violência doméstica”, diz o promotor responsável pelo caso, Leonardo Otreira. “Uma mulher lésbica em uma relação homoafetiva pode ter internalizado os mesmos valores machistas e negativos que aparecem em relações heterossexuais e pode vir a praticar os atos por entender que a mulher com quem se relaciona tem que ser subjugada à sua vontade”, diz o promotor.

Tatiana Luz teve 90% do corpo queimado e morreu no dia 30 de setembro de 2019

 

A advogada criminalista Soraia Mendes explica que há duas hipóteses quando se trata de feminicídio: no contexto íntimo, decorrente de violência doméstica e familiar, como no caso acima, e como crime de ódio, de menosprezo ou desprezo da condição de mulher. “O íntimo decorre de relações conjugais e pode contemplar a esposa ou a namorada”, explica Soraia, coordenadora do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher).

Agressora repete padrão masculino

“Nesses casos [em que uma mulher mata ou agride a parceira], a mulher está propagando atitudes machistas identificadas na sociedade em que foi criada. Quando ela vira sujeito ativo dentro do relacionamento abusivo, está repetindo o padrão masculino“, afirma a advogada Luanda Pires, coordenadora do núcleo de Mulheres LGBT da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

Ela diz, ainda, que a vítima pode nem perceber que está sofrendo violência doméstica, uma vez que, geralmente se entende que esses atos aconteçam em relacionamentos heterossexuais. “Nós, lésbicas, temos mais dificuldades em identificar e aceitar essas situações. Se fala muito sobre violência doméstica, mas é sempre entre casais heterossexuais. Então a gente está acostumado e propenso a imaginar que a agressão sempre virá de um homem”, afirma.

“Mas a violência é a mesma”, destaca. “Psicológica, diminuindo a autoestima da outra pessoa, moral, quando força uma relação sexual que não é desejada, ou patrimonial, com subtração de dinheiro ou bens.”

Em dezembro de 2019, foram registrados outros dois casos de feminicídio cometidos por mulheres em São Paulo, os primeiros do estado. Mas isso não significa que foram, de fato, os primeiros a serem cometidos.

Não há dados consolidados sobre o número de mulheres assassinadas por companheiras no Brasil. Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que em 2019 publicou um extenso levantamento sobre feminicídios ocorridos no país, explica que a ausência de dados é decorrente da falta de detalhamento sobre os autores do crime na hora do registro dos boletins de ocorrência.

“As estatísticas oficiais dos Estados são feitas com base nos boletins e o que aparece nos registros é se a autoria é conhecida ou não e qual o vínculo com a vítima. O gênero pode aparecer no histórico, mas é um campo aberto, que não funciona para fins estatísticos.”

Se você está sendo vítima de violência doméstica, ou conhece alguma mulher nessa situação, denuncie! Ligue 190 para casos urgentes ou 197 para fazer sua denúncia anônima.

 

da redação, com informações do G1 e do portal Universa

 

Leave a Reply

%d blogueiros gostam disto: