Um levantamento realizado por Marie Claire identificou que em apenas uma semana, ao menos 19 mulheres foram atacadas com faca no Brasil. Os dados correspondem ao período de 6 a 13 de dezembro. Caroline Abreu, Mondiléia Andrade dos Santos, Katia Duarte, Maria da Silva Ciloi Rodrigues, Jennifer Sabrina de Oliveira e Franciele Robert da Silva são algumas das mulheres que são violentadas diariamente no Brasil e, na pior das hipóteses, têm seus sonhos e vida interrompidas por questões de machismo e misoginia.
Os números estarrecedores corroboram com levantamento divulgado na última semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que apontaram para o maior número de feminicídios ocorridos entre os meses de janeiro e junho desde o ano de 2017. Os casos de estupro também aumentaram em relação ao mesmo período do ano anterior.
O levantamento identificou casos de mulheres esfaqueadas em dez diferentes estados e em quatro regiões, com exceção do Norte.
Para a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, o alto número de crimes utilizando a faca, que é considerada uma arma branca, está diretamente relacionado à autoria do crime. Ela também fez questão de frisar que apesar dos números serem altos, ainda existe muita subnotificação sobre esse tipo de crime no Brasil.
“Hoje 80% da autoria desses crimes é de um companheiro íntimo das mulheres. Essa violência muitas vezes acontece dentro de casa, então em casos de violência doméstica o agressor usa o que encontrar na sua frente para agredir a mulher”, relata.
Segundo ela, nesse tipo de crime, é comum que haja uma escalada de violência que se encerra no crime com a arma branca.
“Esse crime é diferente dos demais homicídios que acontecem com arma de fogo. É também muito comum um comportamento de escalada da violência, no dia anterior é um travesseiro, um cadarço de tênis e depois chega na faca”, explica.
A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que atua pela defesa da vida e direitos das mulheres, também apontou para um traço de machismo e misoginia que está associado à utilização de armas brancas nesse tipo de crime. “A arma branca geralmente é utilizada quando o agressor quer desfigurar a vítima.”
Apesar de o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 apontar que 55% dos feminicídios no Brasil acontecem com a utilização de armas brancas, Bueno apontou que uma possível mudança na característica desses crimes pode estar em curso.
Ela apontou as diversas flexibilizações impostas pelo presidente da República para acesso à armas de fogo como um fator que pode antecipar o feminicídio, que é o último estágio de um ciclo de violência doméstica.
“Até pouco tempo atrás o acesso a armas de fogo era bastante restrito, mas agora vem sendo flexibilizado. Leva tempo até essas armas chegarem nas mãos de todo mundo, mas flexibilizar o acesso significa antecipar o desfecho mais trágico do ciclo de violência contra a mulher. O ciclo vai se tornando cada vez mais violento e quando tem uma arma de fogo ela é mais letal. Com acesso facilitado existe a chance de usar antecipadamente e a política de liberação de armas pode causar um impacto de crescimento no número de feminicídios”.
Marie Claire solicitou informações sobre o números de crimes com facas e armas brancas contra mulheres nos últimos anos para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). O STJ não retornou as tentativas de contato, enquanto TJSP e SSP-SP afirmaram não possuir o número do recorte dessa tipificação de crime.
Aumento de estupros e feminicídios
Um levantamento divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública na última sexta-feira (10) apontou que os registros de feminicídio no primeiro semestre de 2021 foram os maiores da série histórica iniciada em 2017.
O número de estupros também apresentou uma alta de 8,3% em relação ao primeiro semestre do ano anterior. Foram 26.709 registros neste ano e 24.664 em 2020. Apenas no estado de São Paulo, de acordo com dados da SSP-SP, foram registrados 117 feminicídios e 8.839 casos de estupro consumados entre os meses de janeiro e outubro de 2021.
Mesmo indicando para um aumento no número de casos, Samira Bueno destaca que os números podem ser ainda maiores, sobretudo o de feminicídios. Ela afirma que apesar de a oscilação em relação ao ano anterior não ser tão significativa, um crescimento de 0,5%, o número pode crescer ainda mais. O principal motivo é a mudança da tipificação de alguns homicídios para feminicídios em investigações que ainda estejam em andamento.
“Estamos diante de um crescimento de feminicídios há algum tempo, mas é importante destacar que alguns crimes de homicídio ainda vão passar por revisões, porque os dados provêm de boletins de ocorrência que são os primeiros registros dos crimes. É possível que ao longo das investigações mude a tipificação porque o delegado percebeu que a autoria foi de um parceiro íntimo e vai reclassificar o crime”, explica.
A diretora do Fórum também chamou a atenção para um crescimento no número de casos, ao mesmo tempo em que a pandemia da Covid-19 se tornou mais letal no Brasil, a partir do segundo trimestre.
“A partir desse momento os números disparam e isso mostra justamente que no período em que tivemos uma piora da pandemia e medidas de isolamento foram restabelecidas, houve um aumento acentuado. Essa é uma das hipóteses para o crescimento nos casos porque a violência contra a mulher cresceu em vários países do mundo durante a pandemia, então não é exatamente uma surpresa. Infelizmente isso já era esperado”.
com informações da Revista Marie Claire