Como é possível esquecer um trauma, se ele está marcado na pele em forma de cicatrizes? Algumas mulheres que foram vítimas de violência doméstica, de doenças ou de cirurgias mal feitas têm escolhido a tatuagem para amenizar a dor.
O projeto social ‘We Are Diamonds’, que já fez mais de 150 tatuagens em mulheres que queriam camuflar suas cicatrizes, fechou parcerias com o Projeto Bastê, que apoia vítimas de violência doméstica, com o Projeto Driblando o Câncer, do Instituto Brasil + Social, e com a ONG GAMA (Grupo de Amparo Momento de Amar). Com isso, as mulheres assistidas por essas instituições também podem fazer tatuagens gratuitamente.
Em 2017, a funcionária pública Talita Lins foi vítima de ferimentos provocados pelo então companheiro. Ela e sua filha foram empurradas ao chão, e uma porta de vidro se espatifou contra ela. “Esta foi a última das inúmeras agressões que passei”, lembra. O resultado, além do trauma psicológico, foram as cicatrizes em seu braço.
“Costumo sempre dizer que minhas feridas e cicatrizes não vão me impedir de sonhar. Sempre quis ter uma tatuagem, então vou usá-la para ressignificar tudo o que passei”, diz Talita. Momentos antes de ser tatuada, ela disse que não temia sofrer com a agulha. “A tatuagem é que vai dar um novo significado à minha dor.”
Já a recepcionista Tamires Mussio Morales, de 34 anos, não esconde a ansiedade em fazer uma grande tatuagem na barriga, onde hoje estão as marcas de uma tentativa de feminicídio.
Em novembro do ano passado, o então namorado — com quem convivia havia um ano e cinco meses — teve uma crise de ciúmes e a feriu com uma faca de pão em várias partes do corpo durante um churrasco. Foram mais de cem pontos na barriga, braços, mão e pernas.
“Quero poder olhar de uma maneira mais bonita para meu corpo, não sentir tanta dor com as lembranças”, afirma Tamires.
Ela ainda terá que esperar cerca de um ano até ter sua tatuagem, pois suas feridas ainda são recentes e não estão totalmente cicatrizadas. “Vou transformar minha dor em arte”, completa.
Projeto We Are Diamonds
Tanto Talita quanto Tamires, ganharam as suas tatuagens do Projeto We Are Diamonds, que foi criado em 2017 pela tatuadora Karlla Mendes, e tem como foco cobrir as cicatrizes de mulheres que sofreram marcas provenientes de violência doméstica, queimaduras e cirurgias mal feitas, entre outros casos.
“Sempre tento me colocar no lugar dessas mulheres. São várias histórias marcantes. Recentemente, por exemplo, me deparei com o caso de uma mulher que tenta recuperar a sua vida há mais de três anos, desde que foi atropelada por um trem em São Paulo. Isso me comoveu muito, pois sei que as tatuagens vão ajudá-la a se aceitar”, afirma, completando que a mulher em questão será tatuada no próximo dia 19.
Karlla é especialista na JewerlyTattoo, e por isso, suas tatuagens sempre possuem desenhos com joias e pedras preciosas. O que era apenas um estilo, virou a marca do projeto. “O diamante mostra nossa resiliência e a necessidade de sempre estarmos nos lapidando”, diz a profissional, que tem mais de 20 anos de carreira.
Dividindo-se entre Melbourne, na Austrália, – onde possui um estúdio com a filha – e São Paulo – onde é proprietária do StylloTattoo, na Zona Norte de São Paulo, Karlla retorna ao Brasil após dois anos sem pisar em seu país natal, devido à pandemia.
Segundo ela, a procura por tatuagens para cobrir cicatrizes tem crescido tanto que ela não está dando conta da demanda, e está desenvolvendo um workshop dirigido a tatuadores, onde ensina a sua técnica.
Para Karlla, poder ajudar as pessoas a superar seus traumas é a sua motivação. “Estou doando parte de minha arte e talento para amenizar a dor das mulheres, devolvendo-lhes a autoestima e a vontade de viver.”
matéria especial do g1