CAPRINOCULTORAS: Mulheres de Prata incentivam atividade atuando em cargo público, associativismo e criação de caprinos

matéria de Valdívia Costa, especial para o Paraíba Feminina

 

Somente numa família, três gerações de mulheres criam os animais e atividade têm gerado a renda e a ocupação de muitas outras

A força feminina na caprinovinocultura é evidenciada na cidade de Prata, distante 292 km de João Pessoa, no Cariri da Paraíba. Não só pelas produtoras rurais, mas por gestões públicas passadas e atualmente no cooperativismo e associativismo, onde as mulheres estão ocupando lugares. A cidade é a quarta maior produtora de leite caprino do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2017). Três histórias envolvendo mulheres da cidade provam que a atividade é econômica, mas trata-se de uma tradição caririzeira.

O município tem pouco mais de quatro mil habitantes, mas equilibra seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com os caprinos e ovinos desde o início da década de 1990. Prata foi a primeira cidade a receber o Programa Leite Paraíba, a mais de 20 anos. Teve uma prefeita em 1993 que começou a incentivar a atividade doando cabras, Josefa Lila Sousa de Lima, Dona Lila. Quem criou a primeira feira de animais da cidade foi ela, uma mulher pequena, inteligente e dedicada às pessoas. Ela viu o que uma seca pode causar aos pobres e às mães solos.

“Meu marido Jessé Salvador foi quem teve a primeira iniciativa. Diante da fome que assolava a todos os pobres nessa época, ele teve a ideia de doar algumas matrizes caprinas para as mães darem leite às suas crianças. O índice de mortalidade infantil era drástico na cidade e isso a gente via acontecendo do lado da nossa casa. Aí, começamos doando apenas com essa intenção, de dar comida a quem tinha fome”, relembra Dona Lila, hoje com 92 anos de idade.

Dona Lila

Quando assumiu a prefeitura de Prata, ela teve a ideia de criar um programa beneficente e começou doando 100 cabras leiteiras para dezenas de produtores. A ideia era que as crianças fossem alimentadas, mas quem quisesse seguir produzindo leite para vender ou até mesmo os animais, ela emprestava também um reprodutor para se começar um capril.

“Nós já éramos proprietários de cabras. Jessé fazia a entrega, depois que a criança crescia nutrida, os pais vinham devolver a matriz e ficavam com uma cria. O programa municipal dava até quatro cabras a quem precisava e a pessoa, depois, devolvia um cabrito, que já era passado a outro produtor. A gente só doava a quem tinha onde criar. Ao final da minha gestão, todos os moradores que quiseram montaram seus rebanhos”, disse.

Dona Lila organizou o setor caprino na cidade também incentivando a criação da primeira usina de beneficiamento, que funcionou na antiga Câmara Municipal, atual Secretaria de Saúde. Segundo os gestores que vieram após essa incentivadora da caprinocultura, a história da atividade leiteira da cidade começa nesta década. A mini feira de animais que ela criou se tornou um mega evento, a Exposição de Caprinos e Ovinos de Prata (Expoprata), que terá a 8ª edição desta quarta-feira (24) ao domingo (28).

 Usina – Depois de criada, a Usina de Beneficiamento do Leite de Cabra de Prata captava leite dos caprinocultores, pasteurizava, envasava e entregava umas dezenas de saquinhos. Passou pelas administrações de alguns homens, incluindo quando mudou de local e aumentou a produção. Novamente, o apoiador Jessé Salvador doou um terreno para a construção da Usina. Desde 2021 e até 2025, a Usina tem a primeira mulher presidente, Paula Tassyana, de 36 anos de idade.

Porém, ela revela que a realidade da caprino não tem muitas mulheres. Dos 135 produtores registrados atualmente na Usina, apenas 8% são mulheres. Ela lembra que a atividade gera um bom sustento, devido ao Programa Leite da Paraíba. De outra forma, o produtor só executa as vendas dos bichos ou, caso tenha indústria láctea, fabrique produtos para o mercado privado.

“Eu comecei a trabalhar na usina em 2007 como faxineira. Na verdade, trabalhava fazendo de tudo, de lavar banheiro a organizar papéis. Na caprinocultura, conheço bem a usina, meu esposo é caprinocultor e vejo a luta dele e de todos os produtores”, enfatizou. Paula assumiu a presidência da Usina em 1º de maio de 2021, como candidata única. Na luta para fazer o melhor, ela diz que é um trabalho engrandecedor, poder ajudar os caprinocultores. A Associação é sem fins lucrativos, mas ela recebe um salário mínimo e as diárias quando há viagens.

Caprinocultoras – Na atividade, existe sempre uma família caprinocultora. Geralmente, a lida com os animais é das mulheres e os negócios e competições, com os homens. Assim é na casa da matriarca Marineide Quirino Guimarães da Silva, de 56 anos, da filha Flávia Simone Guimaraes da Silva, 34 anos e da neta Maria Clara Guimarães Ferreira, 13 anos. Três gerações de caprinocultoras, moradoras do Assentamento Zé Marcolino, Sítio Laginha, a 13 km de Prata.

Marineide entrou na atividade devido ao marido, José Fernando da Silva, conhecido por Didito, que começou a criar cabras no final da década de 1980. O casal presenciou de perto o aumento da caprinocultura com as doações da ex-prefeita Dona Lila, mas não participaram do programa. Na propriedade de poucos hectares, a família mantém 18 caprinos das raças Saanen, Toggenburg e Alpina, contando com um reprodutor.

“Sempre criamos cabras mesmo quando não tinha esse programa do leite. Antes de nós morarmos no Assentamento, a gente criava pastorando em estradas. Como meu irmão era pequeno, só tinha eu mais velha, então, tinha que ajudar a painha. Ajudava eles, mas estudava também. As coisas não eram fáceis. Até agora a pouco a gente sofreu muito com as cabras doentes. Até vendemos muitas porque não aguentamos mais gastar com elas”, detalhou.

Superação – Da forma como elas criam, a atividade não é muito lucrativa. “Quando estamos tirando leite, dá para pagar um salário mínimo para cada um de nós. Mas não é sempre, porque, com o tempo, elas diminuem o leite e ainda tem a ração. Sempre tivemos esses desafios porque nunca foi fácil nossa vida. Painha vive negociando os animais para nosso sustento e eu não estou tirando leite, pois elas estão prenhas”, completou.

Passar o trabalho de mãe para filha e de filha para neta é a consequência da rotina na família rural, revezando os trabalhos, dividindo sempre. A menina Flávia Simone ia para os currais com a mãe e logo cedo aprendeu a ajudar na lida. “Com a minha filha não é diferente. Eu vou cuidar das cabras, ela tem que ir comigo, porque desde pequena não tenho com quem deixá-la. Aí, ela se acostumou e pegou gosto. Quando não está na escola, Maria Clara me ajuda muito. Tudo o que faço, ela me ajuda. Ela gosta demais das cabras. Nunca falou, mas acho que, pelo jeito dela com os animais, ela vai sim continuar nessa área”, concluiu.

Imagens: Leandro Vasconcelos e arquivos pessoais

Leave a Reply

%d blogueiros gostam disto: