Medicina e encontros, como se proteger? – Parte 2 

By 30 de agosto de 2022Colunistas

 Sobre como se proteger usando dicas fáceis da internet em encontros românticos.

Por Priscila Werton

“Oi, você não me conhece, mas tenho conversado com um cara que conheci on-line e estou precisando de referências sobre ele. Ele me disse q vc o conhece, tem algo de bom pra falar dele?” – esse é um texto pré-dates que eu uso para pedir informações sobre caras da internet.

Eu tenho uma regra: para conhecer pessoalmente um cara que conheci primeiro na internet, ele tem que conseguir que pelo menos uma mulher (que tenha um perfil ativo no Instagram e que não tenha indícios de que é fake) aceite falar sobre ele comigo e tenha coisas boas a dizer. Se ele não tem uma mulher para falar bem dele: não rola. Ter uma rede de indicação feminina para dates pode te salvar de várias furadas, pedir referências de amigas/conhecidas/desconhecidas pode salvar sua vida. Vou contar para vocês algumas experiências inusitadas que já tive.

Robin Hood – cheio de boas intenções

Uma vez um médico me abordou no Insta sugerindo que fizéssemos atividades comunitárias sobre feminismo e saúde em uma população X que ele já estava habituado a trabalhar, se disse leitor das colunas, conversamos sobre medicina e feminismo por alguns dias, cheguei a planejar as ações na comunidade. Até que pesquisei ele, conferi o CRM (como ensinei no texto anterior a esse), olhei o Insta dele: casado, a esposa grávida, não me fez propostas inapropriadas, parecia uma pessoa decente. Aí percebi que temos uma amiga em comum no Insta e fui perguntar a ela se o conhecia. A resposta foi algo assim: “conheci ele pessoalmente em um contato breve que tivemos no hospital Y. Além disso, conheço-o apenas do Instagram, ele me envia com frequência mensagens inapropriadas de cunho sexual na DM apesar de eu já ter deixado bem claro que não tenho interesse e ter pedido para que ele pare, mas ele insiste.”

Capitão Pátria – sensível

Outra vez um médico de outro país veio me seguir no insta dizendo que fez um estágio em um hospital que já trabalhei através de uma mesma instituição com a qual já fiz um estágio internacional também. Seu Instagram tem fotos nesse hospital, vários amigos em comum, pessoas do hospital, achei ok. Aí ele disse que conhecia algumas meninas desse hospital e que elas eram suas amigas, me deu o Insta delas e disse que eu poderia conferir com elas sobre quem ele é. Assim eu fiz, mandei mensagem para as meninas e surpresa: elas não o conhecem. Ele é um fake? Não parece, o perfil do Insta não parece fake. Até acho que ele realmente fez o estágio nesse hospital, deve ser um cirurgião pervertido, eca. Ah, ele ainda ficou chateadinho porque eu supostamente invadi a privacidade dele perguntando às meninas se o conheciam.

Hulk – o furioso

Mais um caso de médico mentiroso/golpista: tinha um colega médico em um serviço que por vezes me chamou para sair. Eu nunca aceitei, achava ele estranho, a foto do WhatsApp dele era de alguém bem mais jovem que não parecia com ele, mas ele jurava que era ele e o mais estranho: não tem Instagram. Todos os indícios de gente que tem algo a esconder. Certa vez estávamos na hora do almoço eu e outras colegas do plantão e eu disse que o doutor fulano tinha me chamado para sair, mas eu não sabia o que achar dele, queria a opinião das colegas. Elas falaram sem nem pensar: “o doutor fulano que é casado com a doutora cicrana há 300 anos?” Eu fiquei incrédula, conferimos até a foto e o contato do WhatsApp pois não poderia se tratar da mesma pessoa, mas era ele. Uma das colegas mandou uma mensagem para ele perguntando onde ele estava: em casa com a esposa. Ao mesmo tempo eu mandei também: ele disse que estava de plantão em outro serviço e que não poderia sair comigo naquele dia. Então, eu e a outra colega tiramos uma foto juntas e mandamos para ele. A reação dele foi ficar furioso e acusar a gente de o estar enganando. (AHAHAHAHAHAH)

Batman – e o batmóvel

Mais uma de médico: tem um médico que trabalhou comigo em outro serviço que vivia me oferecendo uma carona para casa (apesar de eu ir trabalhar de carro). Um dia resolvi ver qual era a dele, busquei no Insta: casado, várias fotos dele e da esposa em situações românticas, super fofo com ela. Pesquisei ele lá no serviço e descobri que ele manda mensagens inapropriadas com conteúdo sexual para amigas enfermeiras. Não venham me dizer que a intenção dele comigo era apenas uma carona, todo mundo entendeu.

Capitão América – dos EUA

Teve um outro que conheci online também, durante a fase crítica da pandemia, ele mora nos EUA. Passamos meses conversando, ele me contava o drama de sua separação, como ele estava triste por seu casamento ter acabado e tal e eu me solidarizei pois vivia uma situação semelhante. Alguns meses se passaram, ele veio ao Brasil me conhecer, quando ele chegou uma mulher com o mesmo nome de sua esposa começou a me seguir no Instagram e assim descobri que ele não era separado coisa nenhuma e morava com a esposa, uma vítima de suas múltiplas traições, que tomou coragem para conversar comigo depois de ver minhas postagens feministas e de imaginar que eu não sabia que ele era casado. Obviamente eu não sabia, assim que descobri mandei ele voltar para onde veio. Eles se separaram de fato algum tempo depois, ainda tenho contato com ela, ele não me interessa.

Coringa – já sabia desde o início que não prestava

Essa vez foi diferente, eu já pedi indicações sobre o cara desde o início. Minhas amigas, que já o conheciam previamente, foram taxativas: “um escroto, você vai se arrepender”. Eu, burramente, resolvi dar uma chance a ele, afinal todo mundo tem o direito de mudar (risos).  O que aconteceu? Escroto de alta categoria, manipulador, tóxico, especialista em bancar de superior e fazer as mulheres se sentirem pouco. Minhas amigas tinham toda a razão.

Aquaman – o canto da sereia

Esse não é médico. Um rapaz me adicionou no Instagram e começou a puxar assunto comigo dizendo que é cantor, que gostaria de fazer um clipe e queria minha colaboração pela minha postura feminista na internet. Até aí tudo bem. Pesquisei ele no Youtube e realmente tem várias músicas e clipes lançados, um Instagram grande com posts com atores do Globo falando dos projetos dele. Segui meu protocolo: nome completo, CPF. Nesse caso, pedi a uma colega advogada para puxar a ficha dele e encontramos uma bela lista de antecedentes criminais.

Clark Kent – duas caras

Um mais leve e comum: o colega homem que trabalhava comigo, se fazia de meu amigo e quando perguntei a uma colega mulher sobre o que achava dele, descobri que ele me chamava de louca pelas minhas costas.

Os homens são muito confiantes, estão certos de que são sedutores e persuasivos o suficiente para que a gente nunca vá procurar informações sobre eles e acredite cegamente em suas palavras. Da mesma forma que estão certos da impunidade. Subestimam tanto nossa inteligência que têm absoluta certeza de que nunca descobriremos quem eles são. Acham que a gente é inimiga e não se comunica, inclusive estimulam a rivalidade feminina falando mal de uma para a outra e nos colocando umas contra as outras, como o que me chamava de louca pelas minhas costas para outra colega do plantão e o que acusou a mim e a outra colega de estarmos enganando-o, mas ele que era casado e ficava me chamando pra sair.

Sabe aquela história de que é feio beijar e sair falando? Então, não é mais. O bonito agora é se proteger. Beijou e o cara foi grosseiro? É para sair falando. Beijou e o cara te agrediu física ou verbalmente? É pra sair falando. Claro que não falando pra vocês saírem contando detalhes dos dates por aí (só se vocês quiserem) mas se você identifica uma possibilidade de comportamento abusivo em um cara: fale para todas as suas amigas, peça para elas falarem para as amigas delas, todas devem saber que ele é um potencial abusador.

Crie um grupo com suas amigas para compartilhar informações sobre os caras. Não apague as conversas ruins, elas podem servir de provas caso você precise provar que sofreu assédio virtual. Conte tudo para as suas amigas, com quem você tem conversado, com quem você vai sair. Coloque no grupo todas as informações que você tem sobre esse homem (nome, endereço, CPF, onde trabalha…). Todo esse trabalho de investigação garante segurança? Não, nada garante a segurança de mulheres em relação aos homens, sempre dá para usar o réu primário com você, mas a nossa comunicação é uma medida simples que pode ser tomada para diminuirmos os riscos.

Tem mulher perigosa e mentirosa? Tem. Mas na grande maioria dos casos uma mulher mentirosa não vai matar o cara nem fazer nenhum tipo de agressão sexual ou física contra ele. Já os caras que mentem nos violentam e nos assassinam. Mulheres abusivas fazem coisas como: escândalos, tapas na cara, quebram coisas, riscam o carro… e a gente sempre escuta essas histórias, sabe por quê? Porque os caras estão vivos para contar. Os caras abusivos matam as mulheres. Não existe uma fofoquinha sobre isso porque é um assassinato, um crime, feminicídio, a morte termina a história.

Quem tiver interessada em algum amigo em comum comigo pode me perguntar sobre.

Perguntem sobre os caras, poupem seus tempos e salvem suas vidas e de suas amigas.

Método pré-date:

  • Nome completo + CPF;
  • Endereço e local de trabalho, de preferência;
  • Consulta no JusBrasil + joga o nome completo no Google, consulta no conselho da profissão (se você tem alguma amiga advogada pede a ela para te ajudar a investigar o cidadão);
  • Consulte a opinião de alguma mulher que conhece ele;
  • Juntas essas informações + fotos e prints do Instagram e coloca tudo no grupo das suas amigas (a gente tira foto da placa do uber para mandar para as amigas e não manda a foto do date).

Perguntar a outras mulheres informações sobre os homens é muito simples. Um grandíssimo obrigada a Carol, Ana, Júlia, Fernanda, Andreza, Paula, Débora e tantas outras que já salvaram minha vida sem nem saber. O que podemos concluir com esses dois textos: não dá para confiar nas pessoas na internet, se vocês descobrirem uma forma, me mandem na DM.

@priscilawerton

Até!

P.S: Por que foi tão fácil pensar em nomes de super-heróis homens e quando pensei em figuras femininas só me lembrei de vilãs?

 

@priscilawerton é médica, feminista e defensora do SUS

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