Mais um crime que pode estar ligado aos fóruns de internet.
Filho de policial, que morava em Brasília e tinha se mudado há pouco para Barreiras, na Bahia, o atirador que matou a aluna cadeirante de 20 anos também estudava na escola cívico-militar Eurides Sant’Anna e teria postado num perfil extremista o plano de massacre na unidade de ensino. Nele, o jovem, de apenas 14 anos, se identificava como um “ser iluminado” cuja ira seria descarregada em “um ato sanguinolento”. Em um manifesto, publicado três dias antes do crime, que a polícia acredita ter sido escrito pelo jovem, ele deixa claro seu desprezo pela vida humana:
“Eu vivi com meu pai na maior parte da minha vida, pois meus pais eram separados e não tinham nenhum sentimento mútuo. Desde pequeno sentia-me superior aos demais, alimentava nojo e ódio de grupos do meu convívio, simplesmente não aceitava estar no mesmo lugar que eles, sentia que merecia mais, ou eles mereciam menos, o que importava era estar por cima”.
O estudante, que está internado em estado grave após receber um tiro, de pessoa ainda não identificada, durante o episódio na escola, escreveu o manifesto de 29 páginas, já está sendo investigado pela Polícia Civil, com o apoio do Departamento de Polícia Técnica do estado. Fontes da Secretaria de Segurança da Bahia confirmaram extraoficialmente que o perfil localizado pertence ao atirador.
Nos tuítes do estudante, ele fala do ódio à escola, onde passou a estudar quando se mudou para Barreiras. De acordo com a Secretaria de Educação, ele era um aluno faltoso. “A cada dia que vou à escola, sinto-me subjugado, se misturar com eles é nojento, é estupidamente grotesco, sinto ânsia de vômito quando um deles me tocam (sic). Sou puro em essência, mereço mais que isso, sou sancto”. E continua: “Saí da capital do Brasil para o merdeste, e nunca pensei que aqui fosse tão repugnante. Lésbicas, gays e marginais aos montes acham que são dignos de me conhecer e de conhecer minha santidade. Os farei clamar pela minha misericórdia, sentirão a ira divina”.
– Ele se denomina sancto, ele quer virar um sancto. Sancto é quando o indivíduo realiza o massacre. Eles são glorificados dentro da comunidade de extremistas como heróis – diz a estudante de ciências políticas Michele Prado, que estuda movimentos extremistas, se referindo à comunidade True Crime Comunity, da qual o estudante fazia parte e onde ela localizou o perfil que repassou aos policiais da Bahia. – Ele usava o número 88 para se identificar, o que significa ‘heil, Hitler”, portanto se identifica com neonazistas. Além disso, é incel (a palavra vem da junção das palavras “involuntary celibates”, que são jovens celibatários que propagam misoginia e racismo em comunidades virtuais, alguns deles já envolvidos em crimes nos EUA).
Pouco antes do ataque na escola, o atirador publicou uma mensagem deixando clara sua intenção: “Irá acontecer daqui 4 horas e eu tô bem de boa. Estou tão calmo, nem parece que irei aparecer em todos os jornais”. Na sequência, ele, que pulou o muro da escola com um revólver e duas armas brancas, diz estar preparado para tudo: “já estou com tudo comigo, agora é só esperar. Tudo pode acontecer nas próximas horas”. No domingo, chegou a debochar da escola: “Escola fodida, nem tem câmeras”. Pelas postagens, o estudante parecia acreditar que seria morto. “E pensar que daqui a alguns dias estarei tendo meu rosto, olhos, pulmões e outras partes do corpo sendo devoradas por vermes”.
Autora do livro “Tempestade ideológica” e “Redpill – Radicalização e extremismo em nome de Deus, dos homens e da liberdade”, que será lançado no mês que vem, Michele Prado diz que o manifesto publicado pelo atirador reproduz o discurso de extrema direita. Para ela, remete a casos como o do australiano Brenton Tarrant, de 29 anos, que matou 50 muçulmanos num ataque em Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019, que foi condenado à prisão perpétua, e o do atirador Patrick Wood Crusius de 21 anos, que matou 20 pessoas num shopping em El Paso, no Texas, EUA, também em 2019.
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