Primeiro vamos te situar. Se você não sabe quem é a Serena Joy, farei um breve resumo:
Serena Joy é uma personagem de ficção da obra “O Conto de Aia”, da autora estadunidense Margaret Atwood, escrito em 1985 e que virou uma série de sucesso mundial. Na história, os Estados Unidos passam por um atentado terrorista organizado por fundamentalistas cristãos. O estado é dissolvido, cria-se a República da Gilead, e as leis mais duras e carrascas da Bíblia são incorporadas no cotidiano. Como em toda e qualquer ditadura fundamentalista, as mulheres são as principais atingidas. Porém, elas são distribuídas em castas:
As martas são mulheres que passaram da idade fértil. São juízas, cirurgiãs, jornalistas, arquitetas, engenheiras… que foram colocadas na função de governantas e empregadas domésticas.
As aias são mulheres jovens que são sequestradas e colocadas nas casas das famílias dos comandantes com o único objetivo de gerar filhos. Elas são estupradas repetidas vezes até que engravidem, tenham um filho e entreguem a criança para a família. Depois elas são enviadas para outra família para que o ciclo de abuso e violência continue.
E existem as esposas dos comandantes. E aí entra a Serena Joy.
Serena faz parte da casta de mulheres que, podemos dizer, sofrem menos. Ela é a esposa de um capitão e faz parte da elite da Gilead. Ela é solitária, extremamente amarga e altamente dissimulada. Sabe se comportar e o que dizer na frente das pessoas “importantes” e vende que o ideal de sociedade justa e honesta da Gilead. Mesmo com os estupros das aias, com o sequestro de crianças. Serena não só aceita essa condição como corrobora com ela.
Michele Bolsonaro dispensa apresentações.
O que as duas têm em comum?
Ao contrário do livro, a personagem feita para a série de TV é jovem e muito bonita. No livro, Serena já era uma mulher de meia idade. A justificativa dos roteiristas sobre a mudança do perfil é que a juventude de Serena traria um elemento dramático a mais, e eles acertaram.
Tanto Serena quanto Michele são parecidas nesse quesito: são jovens, bonitas, elegantes, sabem se comportar, sabem o que falar e vendem a ideia de que aquele ideal de sociedade hipócrita, violenta e extremamente machista é sim o melhor para o país em que vivem.
Mas as semelhanças param por aí.
Serena é uma intelectual. Ela escreveu livros, fez pesquisas, já tinha uma certa projeção social antes da Gilead e ao que aparenta, casou com o marido por amor. Ambos construíram o “sonho” da Gilead juntos e apesar dos estupros do marido com a “sua” aia, ela foi sua primeira e única esposa. Em resumo, Serena tem sua própria ambição e em determinados momentos da série, ela deixa bem claro que seus interesses pessoais estão acima do marido e até da própria Gilead, especialmente quando ela se torna vítima do próprio regime que ajudou a construir: ao solicitar que as meninas das castas superiores pudessem ter acesso à educação, Serena tem o dedo decepado. A série ainda está rolando, muita coisa aconteceu e muito mais ainda vai acontecer. Aguardemos.
Michele, ao contrário de Serena, tem um passado confuso. Sua avó morreu de covid no corredor de um hospital público. Alguns integrantes de sua família possuem ligações com crimes de tráfico de drogas e não se sabe exatamente qual era sua profissão antes de se tornar a terceira Sra. Bolsonaro. Recentemente se “descobriu” que ela tem uma filha já adulta.
Numa comparação justa, o que se pretende estabelecer no Brasil é uma versão tosca da República da Gilead. Nesse caso, Michele seria a versão tosca e abrasileirada da Serena Joy.
A série está na 5º temporada e se você ainda não assistiu, coloque na sua lista de prioridades. Prepare o estômago e se depare com uma ficção que se torna assustadora por se assemelhar cada vez mais à uma realidade que tentam nos impor.
Taty Valéria