“Bati duas vezes e só não bati mais porque me seguraram”; quem é a mulher que se defendeu de um feminicídio

No último sábado (1º), Gildene Bernabel dos Santos, de 43 anos, estava indo ao mercadinho quando notou que o ex-companheiro a estava seguindo. Munida de uma barra de ferro desde que sofreu a primeira tentativa de feminicídio por esse mesmo ex, Gildene só conseguiu pensar que, pelo menos naquele momento, seria ela, ou ele. Acertou o homem, duas vezes, com a barra de ferro “Eu teria batido mais se não tivessem me segurado”. Socorrido por uma testemunha, o homem, que estava com uma faca em punho, pediu que não fosse levado para um hospital, muito menos para a delegacia. A testemunha, o dono mercadinho, fez o que achou correto, levou para o hospital da cidade vizinha. O homem continua internado, e sob custódia da polícia, por descumprir a medida protetiva contra Gildene. Ela por sua vez, foi liberada pela polícia que considerou o ato como legítima defesa.

O fato aconteceu em Conceição, município do sertão paraibano e se espalhou como poeira por todos os blogs e portais do estado. Mas o que poucos sabem é que essa história não começou sábado. Gildene é conhecida como Big Lôra. Apesar de ser uma mulher relativamente jovem, carrega na voz um sofrimento e uma dor que nem ela consegue esconder, por mais que tente. Seu histórico de vida inclui outras violências físicas que passaram pelo crivo da Justiça mas que não tiveram o desfecho merecido. Mas esse é um outro assunto. O que interessa, pelo menos nesse momento, é a história de Gildeane com Jocélio Lopes da Silva. Já faz 4 ou 5 anos que eles terminaram um relacionamento marcado desde o início pela violência. E desde que terminaram, ele não a deixa em paz.

Numa ocasião, Jocélio assassinou a facadas um amigo de Gildene que tentou protegê-la das agressões. Mesmo indo à júri, Jocélio foi absolvido. Em outro momento, Jocélio a agrediu com um capacete. “Ainda tenho um calombo atrás da cabeça, até hoje preciso tomar remédio controlado”, diz uma voz chorosa cheia de lamento. O capacete também a atingiu na testa. Ela foi queimada na parte de trás da coxa, mas não lembra exatamente como aconteceu. “Minha filha, eu não lembro direito o ano das coisas, não lembro como foi, só sei que aconteceu”. Nesse momento, quando ela me chama de filha com um tom quase maternal, me vem um flash de memória e eu percebo que sou mais velha que ela.

Jocélio também foi preso, com uma arma em punho, após ter tentado assassinar Gildeane e sua mãe, uma senhora de 73 anos. A medida protetiva que Gildene conseguiu por meio da Lei Maria da Penha, está em vigor há três meses. “Todo mundo aqui sabe quem é ele, sabe o que ele fez comigo. Não entendo porque ele nunca ficou preso”. Eu também não entendo e não consigo explicar. Jocélio tem outra companheira, que também apanhou e teve a casa incendiada por ele. Não consegui contato dessa outra mulher e não sei responder se ela chegou a prestar queixa.

A Big Lôra é aposentada pelo INSS, mas o que recebe mal dá para garantir os remédios que ela precisa. Durante nossa conversa, que durou mais ou menos 30 minutos, ela precisou parar algumas vezes para chorar. “Desculpe minha filha, eu preciso tomar meu remédio”. Pedi que ela se acalmasse e que ficasse tranquila, poderíamos retomar a conversa em outro momento. Mas ela estava com vontade de falar, de ser ouvida. “Sabe aquele Lázaro, da TV? Ele é pior do que Lázaro”. O Lázaro que a Big Lôra fala se refere à Lázaro Barbosa, que passou 20 dias fugindo da polícia depois de ter matado uma família no Distrito Federal em junho de 2021. “Eu não consigo dormir, não consigo comer, estou doente, tenho medo dele sair do hospital me me matar”. Pergunto de onde ela tirou coragem para se defender dessa vez. “Eu só pensei em Deus, foi Deus que me deu essa coragem”.

Aquela mulher com voz embargada só quer ter o direito de continuar viva e só a prisão de Jocélio Lopes da Silva pode garantir que isso aconteça.

 

Taty Valéria

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