Paraibana que foi adotada e devolvida, conta sua história no livro “Adotei, posso devolver?”

Jaqueline Viturino

Jaqueline Viturino nasceu em Jacaraú, localizada no Vale do Mamanguape, a 96 km de João Pessoa. A voz doce, que ainda guarda um pouco do sotaque paraibano, esconde uma história de dor, que de certa forma, ainda não foi totalmente curada e traz um elemento típico do interior do Nordeste e diz respeito a cultura de “criar uma menina para fazer companhia”. No caso de Jaqueline, há um agravante ainda mais doloroso: ela foi adotada e ‘devolvida’.

Morando há mais de 20 anos no Rio de Janeiro, Jaqueline faz parte de um contingente de brasileiros que quase não entram nas estatísticas oficiais: quando criança, foi adotada e ‘desadotada’ algumas vezes. Com uma infância inteira marcada por sucessivos abandonos e violências, a história de Jaqueline daria um livro, e ela mesmo o escreveu.

Na obra “Adotei, posso devolver?”, lançado no início desse ano, Jaqueline nos conta como foi esse processo, desde o primeiro abandono, quando foi deixada pela mãe aos cuidados da avó materna, e quando essa mesma avó a ofereceu para adoção após o final de um culto de domingo: “Tem alguém aqui interessado em adotar uma menina?” e Jaqueline, com a roupa do corpo, foi entregue à uma família naquele mesmo dia.

Por telefone, ela nos diz de onde partiu a ideia de lançar um livro autobiográfico, quais os sonhos que ainda guarda, e o projeto de publicar um novo livro, dessa vez, focando nas consequências que o processo de abandono causou em sua vida. Acompanhe:

Você foi entregue a uma família depois de um culto. Você lembra de como foi esse momento?

Eu morava com a minha avó e ela me levou nesse culto, em João Pessoa. Eu estava brincando entre os bancos da igreja quando ouvi a voz da minha avó dizendo “Alguém aqui tem interesse de adotar uma menina?”. Naquele momento, eu não sabia que ela estava falando de mim. Apareceu um casal interessado. Os filhos iam sair de casa e a mãe queria uma companhia. Me despedi da minha avó com a promessa de que ela iria me visitar com frequência, mas isso aconteceu poucas vezes. Ela deixou de ir, e nunca mais eu a vi. Eu a amava muito, era apaixonada por minha avó.

Quanto tempo você ficou com aquela família e porque eles decidiram desfazer a adoção?

Fiquei com aquela primeira família dos 6 aos 13 anos. Minha irmã era adolescente e estava perto de se casar, meu irmão havia passado num concurso e foi morar em outro estado, então minha mãe queria uma menina que fizesse companhia. Só que eu fui muito maltratada, apanhava muito. Quando minha irmã casou e teve filho, eu fui enviada pra casa dela e minha função seria ajudá-la a cuidar do bebê. Dormíamos todos no mesmo quarto: eu, o bebê e o casal, e o marido da minha irmã tentou abusar de mim. Eu contei à minha irmã, que organizou uma forma de dar um flagrante, o que de fato, aconteceu. A solução que aquela família encontrou para resolver o problema foi desfazer a adoção.

Eu havia sido registrada com o nome deles, mas decidiram desfazer tudo. Então fomos todos até Jacaraú, até um lugar que parecia ser um juizado ou cartório. Minha mãe estava lá, me culpou pelo que houve, e nunca mais tive notícias dela.

Mesmo sem o nome deles na Certidão de Nascimento, voltei com a família para João Pessoa e minha mãe procurou uma outra família que aceitasse tomar conta de mim.

Por quantas famílias você passou? Como funcionava esse processo de “entrega”?

Eu não consigo lembrar, mas foram muitas, e eram todos parentes da família adotiva. Tias, primas, avó. E sempre ia com a intenção ser uma companhia, mas eu fazia todos os serviços domésticos das casas em que eu passava. Por um tempo, fui morar com meu irmão. Lá eu estudava e ele queria que eu tentasse o concurso público no banco em que ele trabalhava e eu estava estudando pra isso. Mas aí minha mãe encontrou uma família no Rio de Janeiro, e me mandou pra lá, e foi a pior fase da minha vida.

Fui morar com uma família completamente desestruturada, sofri muito ali. Eu tomava conta de duas crianças pequenas, e elas também sofriam, era uma família cristã, mas só da boca pra fora. Eu nunca recebi nenhum salário, trabalhava em troca de ter o que comer e onde dormir. Chegou um ponto em que eu pensei que morar na rua fosse minha única saída, pelo menos seria eu por mim mesma. Até que uma moça da igreja em que eu frequentava me convidou para morar com ela e a mãe. Eu comecei a trabalhar de verdade, a receber meu próprio salário. Moro com essa mesma família até hoje.

Quando você foi entregue para a primeira família, ainda não existia o ECA (que entrou em vigor em 1991). Você acredita que seria mais protegida se a lei já estivesse em vigor?

Sinceramente, acho que não faria diferença. Quem quer pegar uma criança, pega.

Por que você resolveu contar sua história em livro? O que te motivou?

Eu sempre tive o desejo de contar minha história em livro, só não havia como fazer isso. Mas no final de 2022 eu quis colocar esse desejo em prática e fui procurar quais os caminhos para uma publicação e no início desse ano, ele foi publicado, primeiro em e-book e depois na versão impressa. Fui muito fácil escrever porque a história da minha vida já estava pronta, só faltava colocar no papel.

Mas eu quis contar isso tudo porque não se fala muito sobre isso. Crianças que são adotadas e depois devolvidas não entram nas estatísticas. Queria que as pessoas soubessem do que passei.

Você pretende lançar um novo livro. Qual será o foco?

Dessa vez vou falar das consequências que isso tudo causou na minha vida, dar uma continuidade à história que comecei a contar, porque ela não terminou ainda. Precisei de tratamento psiquiátrico, desenvolvi crises de ansiedade e fibromialgia, isso sem falar nas relações afetivas. Não namorei, não casei. Virei uma pessoa que está sempre na defensiva. Eu não consegui terminar meus estudos, virei uma pessoa triste, retraída, desconfiada, por muito tempo achei que minha vida não teria um rumo.

E para encerrar, quais eram seus sonhos de criança? E qual seu sonho, agora?

Quando eu era criança, sonhava em ser cantora, musicista. Minha voz era linda, eu sempre cantava na igreja, as pessoas me elogiavam. Mas depois que fui devolvida pela primeira família, parei de sonhar. Minha mente e minha vida ficaram vazias.

Agora, que voltar a ser cantora, aprender a tocar um instrumento. Ainda quero adotar também, quero ter uma filha, penso nisso todos os dias. Mas quero antes, ter uma estrutura, terminar de pagar minha casa própria. Vou dar à minha filha todo o amor, carinho, cuidado e paciência que eu não tive.

 

O livro de Jaqueline Viturino, “Adotei, posso devolver?”, conta mais detalhes sobre sua história. Na Amazon, está disponível aqui neste link. Quem deseja adquirir a cópia impressa, pode entrar em contato direto com a autora através de seu instagram @jaquelineviturino07

Jaqueline também foi a personagem principal no podcast da Rádio Escafandro, no episódio “Toma que o filho não é meu”, disponível nesse link.

 

Taty Valéria

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