Juliana* trabalhava numa loja de iluminação e revestimentos em Campina Grande. Ao voltar pra casa, percebeu que havia esquecido sua garrafinha com água no trabalho. No dia seguinte, o segurança da loja veio devolvê-la, mas Juliana notou que a garrafa não estava totalmente vazia, e ao abrir, viu que ela estava cheia de… esperma.
Roberta* trabalhava na mesma loja. Numa ocasião, o mesmo segurança tentou agarrá-la e beijá-la à força.
O que esses dois casos têm em comum, além do mesmo funcionário, é o fato de que as duas procuraram os donos da loja para reclamar. As duas ouviram as mesmas promessas de que o vigilante seria demitido, as duas não se sentiram mais confortáveis naquele ambiente e pediram demissão, e para finalizar, as duas descobriram, tempos depois, que o segurança continuava trabalhando no mesmo local.
O funcionário em questão continuaria trabalhando normalmente no local, enquanto as vítimas precisaram mudar de emprego, como se elas fossem as culpadas.
De acordo com as duas denúncias, além dos donos, todos os demais funcionários da loja tomaram conhecimento das acusações. Em conversas guardadas, Juliana* mostra que outras funcionárias também estavam indignadas com a situação, e que estavam com medo de continuar trabalhando com o agressor, mas que temiam perder o emprego.
Roberta* foi a primeira vítima:
“Meu caso aconteceu em um dia de sábado, na época eu era umas das primeiras que chegava na empresa, e ele era o braço direito do chefe, e ele que ficava para abrir a loja. Eu cheguei, ele abriu a porta, quando estávamos lá dentro, ele simplesmente me agarrou e tentar me beijar, eu imediatamente empurrei ele, e subi para meu local de trabalho, fiquei totalmente em estado de choque, sem saber o que tinha acontecido, nesse dia ele passou o dia tentando me intimidar, não parava de olhar para minha mesa de trabalho.
Eu simplesmente fiquei sem saber o que fazer, altamente envergonhada e acabei que não contei para ninguém. Desde esse dia, passei a evitar de estar perto dele, ou sozinha com ele.
Meu maior erro foi não contar para ninguém”
Pouco depois, Juliana* começou a trabalhar na mesma loja.
“Eu sempre levava minha própria garrafa de água para o trabalho, mas um dia acabei esquecendo. Era um sábado, e assim que cheguei na loja, ele veio me entregar minha garrafa, e perguntou se eu queria que ele enchesse, eu respondi que não precisava. Nesse meio tempo, ele começou a fazer uns comentários sobre andar armado, e de como fez um rasgo no casaco, pra poder pegar a arma na cintura sem ninguém notar. Eu não dei importância.
Mas aí fui finalmente encher minha garrafa e notei que havia algo dentro… ele tinha ejaculado dentro da minha garrafa!!! Eu entrei em pânico e liguei para o meu namorado ir me pegar. Quando meu namorado chegou, o vigilante ficou conversando com ele, botando a mão no bolso (simulando que estava com uma arma) e me encarando o tempo todo. Entrei no carro pra irmos embora e só conseguir chorar.
Na segunda-feira seguinte eu fui até lá dizer o que tinha acontecido e dizer também que não ia mais trabalhar lá. Os donos me disseram que iam demitir, que iam tomar providências, mas eu fiquei com medo, inclusive de denunciar e sofrer alguma retaliação.
Minha raiva maior é que continuou trabalhando lá. Saiu até nos ‘stories’ da loja. Pra ele, continuou tudo igual”.
Ainda demorou um tempo para que as duas conversassem entre si sobre o aconteceu, mas mesmo sem precisar citar nomes, elas chegaram à conclusão que se tratava da mesma pessoa.
Os dois casos deixam claro que, o fato de falar ou não falar, teve exatamente o mesmo efeito: nenhum.
Juliana pediu demissão após o caso, Roberta continuou trabalhando por acreditar que ele tinha sido demitido. “Uma colega me falou que ele estava indo trabalhar à noite, depois que a gente saía. Quando descobri isso, me demiti. Depois que pedi minha demissão, me afastei, não me interessava saber mais nada”, afirma.
“Eu sei o que minha amiga passou, os problemas psicológicos que teve por conta disso. Nossa vida foi atingida e com ele não aconteceu nada, no máximo, uma mudança de horário”, afirma Roberta, se referindo à Juliana.
“Faltava coragem pra gente denunciar, mas quando vimos que depois desse tempo ele continua trabalhando lá, resolvemos tomar providências”, afirma Juliana.
A pergunta que as duas fazem é a mesma: quantas outras meninas passaram por algo parecido, ou até pior?
Ainda de acordo com Juliana, o dono da loja se mostrou solícito para resolver o problema. “Ele marcou um encontro comigo, queria conversar. Eu fui com a condição que ele me passasse os dados do vigilante, porque eu queria prestar uma queixa e a única coisa que eu sabia dele era o apelido. Ele ficou me enrolando por quase um mês”.
Depois de alguma insistência por parte da redação, um representante da loja onde os fatos aconteceram entrou em contato. De acordo com o gerente, o funcionário da loja foi demitido tão logo foi informado do que tinha ocorrido. Sobre a foto nos stories da loja, em que o vigilante aparece em uma confraternização da empresa ao lado de outros funcionários, ele afirmou se tratar de uma coincidência.
*por orientação dos advogados e com objetivo de preservar as vítimas, mudamos seus nomes e ocultamos a identidade do empreendimento e do segurança acusado.
O que diz a lei sobre o crime de assédio:
O crime de assédio sexual está previsto no Código Penal (art. 216-A, CP, com pena de 1 a 2 anos). Esse crime pressupõe a existência de uma relação laboral entre o agente e a vítima, em que o agente usa a hierarquia ou ascendência de seu cargo, emprego ou função com a finalidade de obter a vantagem sexual (um beijo, contato físico, sair com a vítima etc).
Caso a conduta tenha sido praticada nas ruas, nos meios de transporte ou outros contextos, o crime será outro: importunação sexual ou estupro de vulnerável (se a vítima não puder oferecer resistência).
Segue a descrição dos tipos penais de assédio, importunação e estupro no Código Penal:
Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
- 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.