A triste realidade da desinformação sobre estupro e aborto legal e como procurar ajuda

Você leu aqui a pesquisa sobre Percepções sobre estupro e aborto previsto por lei, feita pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva. E quando a violência acaba numa gravidez? Qual o resultado da pesquisa em relação à percepção dos brasileiros sobre acesso ao aborto legal?

Em vigor desde 1940, o Código Penal não considera crime a interrupção da gravidez em caso de estupro ou de risco à vida da gestante. Decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2012 ampliou esse direito para casos em que o feto é anencéfalo.

Nos casos de violência sexual, de acordo com a previsão legal, não é necessário que a vítima prove a agressão por meio de um boletim de ocorrência. Basta procurar o serviço de saúde. Na prática, contudo, muitas mulheres e meninas nessa situação já tinham o direito negado, e o que já era complicado, ficou ainda pior.

Em 27 de agosto, o Ministério da Saúde editou uma portaria que tornou obrigatória a notificação à autoridade policial pelos serviços de saúde nos casos de interrupção de gravidez resultado de estupro. Após reação negativa de parlamentares, o governo recuou, em parte. A redação da nova norma, publicada em 23 de setembro, é menos explícita em relação à obrigatoriedade da notificação, mas ela ainda está presente e pode prejudicar o atendimento de saúde às vítimas.

As portarias decididas sem fundamentação técnica e por lobby de instituições religiosas, foram publicadas logo após a repercussão do caso de uma menina de 10 anos que engravidou depois de ter sido estuprada durante 4 anos pelo tio. Embora a vítima de agressão sexual se enquadrasse na duas previsões de aborto legal previstas em lei, ela enfrentou diversas barreiras para ter acesso ao procedimento – desde protestos de ativistas pró-vida à intervenção de integrantes de agentes públicos – e precisou viajar do Espírito Santo para Pernambuco para se atendida.

Segundo a pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, 67% dos entrevistados acreditam que a delegacia é o primeiro lugar a recorrer quando a vítima de estupro é uma menina. Outros 32% responderam “hospital ou serviço de saúde” e 1%, igreja.

Entre as mulheres que responderam à sondagem, 85% acreditam que contariam para alguém ou teriam apoio caso engravidassem em decorrência de um estupro. Nesse grupo, 58% disseram que contariam a uma mulher próxima e 31% que falariam com alguém da saúde ou da polícia. Outros 10% responderam que recorreriam a um homem próximo.

Para 93%, “toda vítima de estupro que buscar a delegacia ou um serviço de saúde deve ser informada sobre as formas para evitar DST e gravidez indesejada”, 83% concordam que “muitas meninas e mulheres contraem DST por não buscarem ajuda médica após o estupro” e 96% acreditam que o Estado deve fornecer acompanhamento psicológico imediato para vítimas de estupro.

Questionados sobre como as vítimas agem, 60% acredita que elas procuram serviços de saúde, sendo que o percentual cai para 54% entre as mulheres que responderam e sobe para 66% entre os homens ouvidos no estudo.

No entendimento de 67% dos entrevistados, algumas meninas e mulheres não buscam atendimento nesses casos por vergonha. Em seguida, os motivos mais recorrentes apontados são medo de serem expostas publicamente (52%), temor de que não acreditem nela (50%) e estado de choque (49%).

Para 84% dos entrevistados, os locais em amparo às vítimas estão preparados. Entre os que discordam, 48% apontam que há falta de treinamento, 16% falta de sensibilidade e 15% responderam que os profissionais de saúde não levam à sério a palavra da mulher.

Em 2018, o DataSUS somou 45.219 registros de estupro, sendo 12.599 vítimas de 10 a 14 anos. Os dados são abaixo dos contabilizados pelo sistema de segurança – que já são subnotificados – o que demonstra que muitas mulheres e meninas agredidas ficaram sem os cuidados sanitários após a agressão sexual.

Um estudo do Ministério da Saúde que cruzou informações de estupro e de nascimentos entre 2011 e 2016 identificou 4.262 meninas de 10 a 19 anos que tiveram uma gestação resultante de violência sexual denunciada e o consequente nascimento do bebê. Em média, 710 crianças e adolescentes tiveram o direito ao aborto legal negado, a cada ano.

Entre os entrevistados na pesquisa, 72% concordam que muitas mulheres e meninas engravidam por não buscarem ajuda médica após um estupro. O estudo também revelou que 54% sabem que a lei garante o atendimento sanitário sem necessidade de boletim de ocorrência. Mas esse também é o percentual que respondeu que não conhece os serviços de saúde para vítimas de estupro.

Qual serviço de saúde procurar após estupro?

Qualquer hospital ou Unidade de Pronto Atendimento (UPA) pode ser procurado por mulheres após agressão sexual para cuidados. Medicamentos como profilaxia pós-exposição para HIV e hepatites virais, além da contracepção de emergência (pílula do dia seguinte) serão administrados em até 72 horas e nesse atendimento também deve haver acesso a possíveis exames necessários. Também é possível procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBSs) e lá receber o encaminhamento adequado.

Esses direitos são garantidos desde 2013 pela Lei 12.845/13.

Se a vítima tiver plano de saúde, pode procurar esse atendimento em um hospital privado e tem o direito de ser acolhida rapidamente. O tratamento é garantido pelo rol básico de cobertura de qualquer convênio médico particular.

Quando a mulher faz o boletim de ocorrência na delegacia, ela deve ser conduzida para o IML (Instituto Médico Legal) para receber o tratamento para evitar tanto as infecções quanto a gravidez indesejada. Em seguida, ela deve ser encaminhada para atendimento psicológico.

Caso a menina ou mulher opte por procurar direto um serviço de saúde, “pode ir a uma UPA e informar o abuso sem a necessidade de um BO. O serviço então acionará um protocolo de atendimento”, afirma Vanja Andréa Reis dos Santos, coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

“Trabalhamos com o encorajamento da denúncia mas muitas têm vergonha e temem passar pelo que Mariana Ferrer está passando”, afirma a sanitarista. Para Santos, “o importante é buscar apoio, senão com a justiça inicialmente, para cuidar da sua saúde, sobretudo emocional. Depois ela decide [sobre a denúncia]”.

De acordo com Maria de Fátima Marinho, professora de saúde pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e consultora da organização Vital Strategies, “em teoria qualquer serviço de saúde deveria estar capacitado para os procedimentos de prevenção de DSTs e gravidez”, mas “na prática muitos serviços não estão fazendo nada”. Para a médica, o mais seguro é procurar um hospital de referência em saúde da mulher ou em aborto legal ou um hospital universitário.

Aqui na Paraíba, os serviços de referência para aborto legal são o Instituto Cândida Vargas, em João Pessoa, e o ISEA, em Campina Grande. No caso de violência sexual contra crianças, o ideal é procurar o Hospital Infantil Arlinda Marques, que possui um centro de referência nesse tipo de atendimento, e caso comprovada a gravidez, o próprio serviço encaminha para o ICV.

da redação, com Agência Patrícia Galvão

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