ilustração: María Conejo |
Mulheres ejaculam de verdade ou isso é lenda? E o ponto G, será que existe mesmo? O que significa um orgasmo, biologicamente falando? As perguntas e dúvidas que cercam a sexualidade feminina sempre foram um tabu. Até bem pouco tempo, falar de prazer e satisfação sexual para mulheres era um assunto restrito às salas de terapia ou ao aconselhamento informal com as amigas, o que poderia gerar ainda mais dúvidas
Em 2016, a jornalista americana Zoe Mendelson decidiu fazer algumas dessas perguntas ao Google.
“Encontrei um monte de informação boba e de pouca qualidade. Assim, consultei publicações médicas e tentei compreender o que diziam. Mas não entendia nada, porque não sabia de que partes do corpo estavam falando e nem suas localizações e funções”, lembra Zoe.
“Percebi que era um problema importante o fato de que toda a informação que eu podia acessar ou era besteira ou insuficiente para mim”. Outra conclusão: “E que eu não sabia nada sobre o meu próprio corpo.”
‘Vergonha é perigosa’
Dois anos depois desse episódio, ela e uma amiga, a ilustradora mexicana María Conejo, acabam de estrear um projeto fruto dessa busca por – boas – respostas. É a Pussypedia, uma enciclopédia digital gratuita que se propõe a oferecer informações amplas e confiáveis sobre o corpo feminino.
Ela é dedicada à pussy, termo coloquial em inglês que se usa para denominar a vulva – mas ao qual as criadoras do portal deram uma definição mais ampla, como explica a página delas: “Uma combinação de vagina, vulva, clitóris, útero, bexiga, reto, ânus e, quem sabe, alguns testículos”.
Mas, em pleno século 21, com movimentos feministas como o #MeToo e tantos outros na internet e nas ruas, além da educação sexual integrada a muitos currículos escolares e da internet ao alcance de boa parte da população, por que um projeto assim seria necessário?
María responde com duas frases: “A vergonha é perigosa” e “Conhecimento é poder”. “Acho que superestimamos a quantidade de progresso obtida (na igualdade de gênero). Seguimos vivendo com muitíssima desigualdade e vergonha de nossos corpos. E nossa sexualidade, ainda que mais aceita na sociedade, continua internalizada em nós”, diz Zoe.
María concorda: “Todos temos uma atitude como se assumíssemos que já sabemos muitas coisas sobre nosso corpo. Por isso mesmo, não fazemos perguntas sobre certas coisas: porque supõe-se que já deveríamos sabê-las. Mas, na verdade, essa mesma atitude nos limita muito”.
Com colaboradores, Zoe e María montaram um portal que tem conteúdo em inglês e em espanhol. Desde julho, quando entrou no ar, a enciclopédia recebeu 130 mil visitas.
Ali, são respondidas dúvidas que podem ir desde os assuntos mais simples, como a forma de lavar a vulva, aos mais complexos, como a relação entre agrotóxicos e fertilidade. Cada artigo inclui uma lista de fontes usadas. Um próximo passo desejado pela dupla é acrescentar mais conteúdo sobre a saúde sexual
transgênero.
E uma ‘penepedia’?
Apesar dos objetivos pela transparência e qualidade, às vezes, há perguntas que simplesmente não têm resposta. Segundo as fundadoras da Pussypedia, isso se deve ao fato de que os genitais femininos
(deixando de lado sua função reprodutiva) foram menos estudados que os masculinos. “Não pude nem responder à minha pergunta inicial”, lamenta Zoe. “Falta muita informação que hoje é desconhecida ou que não tem acordo na comunidade científica. Por exemplo, de que tipo de tecido é feito a maior parte do corpo do clitóris.”
Por isso, a dupla descarta a necessidade de uma “penepedia”, uma enciclopédia sobre o pênis e o sistema reprodutivo masculino. “Se você procurar qualquer livro médico ou de saúde, vai ver muitas seções. Sobre a vagina, menos”, diz a jornalista.
Mas, destaca María, ter mais informações disponíveis não significa que os homens tenham um interesse proporcional para buscá-las. “Acho que eles sabem menos”, diz a artista mexicana. “Apesar de existirem muitas informações sobre os pênis, acho que há na masculinidade uma atitude de não querer se inteirar sobre o que se passa nos corpos deles, e menos ainda nos nossos.”
Já no caso das mulheres, o interesse foi expresso na vaquinha online que fizeram no Kickstarter para reunir fundos para a Pussypedia: o objetivo de arrecadação foi alcançado em apenas três dias. No final, elas conseguiram três vezes mais do que a meta inicial, chegando a US$ 22 mil (cerca de R$ 87 mil).
O dinheiro as ajudou no impulso inicial, mas depois de “dois anos trabalhando de graça”, elas agora precisam que o projeto gere renda se quiserem cumprir a ambição de atualizá-lo continuamente e de pagar a colaboradores.
Por isso, no site há a opção de patrocinar um artigo ou de comprar ilustrações de María. “Tenho tentado há cinco anos fazer representações do corpo feminino que exploram a sexualidade ou a refletem de uma maneira diferente, como transformar a maneira como percebemos o corpo nu”, diz a ilustradora.
“Então, acho que a Pussypedia foi um projeto no qual tudo que eu aprendi durante todo esse tempo finalmente se transformou em algo.”
da redação com a BBC Brasil