Infância em constante tensão: saiba como a violência doméstica pode afetar crianças pequenas

By 13 de julho de 2021Brasil, Justiça, Machismo mata

No último domingo (11), Pamella Gomes de Holanda denunciou a violência doméstica que sofria do ex-companheiro o DJ Ivis, produtor musical e compositor. Compartilhadas primeiro por Pamella, as imagens tomaram as redes sociais e mostram o músico agredindo a então companheira com socos e puxões de cabelo, algumas vezes em frente à filha do casal, Mel, de 9 meses.

Infelizmente, isso não é exceção no Brasil: 65,2% das vítimas de agressões físicas, nos últimos 12 meses, eram mães, segundo levantamento exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Assim como aconteceu com Mel, as crianças presenciam as agressões ou são agredidas junto com a mãe em 83,8% dos casos, de acordo com o Balanço Anual do Ligue 180, de 2016. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não atualizou os números.

Como essa violência impacta na vida dos filhos? Até crianças pequenas como Mel podem ser atingidas ainda que indiretamente? Para a psicóloga Manoela Lainetti, que atende menores no Centro Nacional de Referência para Vítimas de Violência (CNRVV), a resposta é sim.

“O fato de a criança não ser a vítima direta da violência não significa que ela não será impactada. Por menor que ela seja, o ambiente que a cerca afeta seu desenvolvimento, o mesmo em relação às emoções das pessoas próximas, especialmente a mãe. Se é um ambiente de violência, mesmo que a criança seja pequena e ainda não tenha compreensão total do que está acontecendo, ela percebe os gritos, as dores, a tensão”, diz.

“Presenciar violência é uma forma de abuso psicológico”

“A violência psicológica é tão naturalizada que, muitas vezes, nem é entendida como violência”, explica a psicóloga. Mas, desde 2017, uma nova lei incorporada ao Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que crianças que testemunham violência doméstica como sujeitos que precisam de proteção, tanto quanto as que foram vítimas diretas.

Os impactos de crescer em um lar violento são muitos e podem se manifestar em curto, médio e longo prazo. Segundo ela, a criança pode se tornar um adulto mais suscetível a desenvolver relações abusivas — não só com cônjuges, mas também com amigos, familiares e colegas de trabalho — e transtornos psicológicos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

“Uma criança que vive em um ambiente violento vive em constante medo, constante tensão. E não é medo de qualquer pessoa, como a gente sente quando sai na rua à noite, por exemplo. É medo das pessoas que deveriam protegê-la. Esse medo impacta diretamente o desenvolvimento, desde o desempenho escolar até a autoestima.”

Mudanças na socialização, seja com coleguinhas e professores, seja com outros familiares, também costumam ocorrer, alerta a assistente social Camila Cristina dos Santos, que também é agente do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

“Tendência é violência passar de geração para geração”

A psicóloga Manoela Lainetti afirma que “a tendência da violência é passar de geração para geração”, porque grande parte do aprendizado de uma criança se dá por imitação. Ou seja, uma das maiores consequências em crescer em um ambiente violento é entender que essa é a única forma de resolver conflitos.

É preciso reforçar a importância de interromper esse ciclo. “É uma questão familiar, mas também social, afinal nós vivemos em uma sociedade machista. O homem que agride está reproduzindo uma violência de gênero que existe na sociedade. Aí, ao expor crianças à violência doméstica, ensinamos para elas uma forma violenta de se relacionar com mulheres. Elas crescem e reproduzem essa violência na sociedade”, afirma Camila.

Ela continua: “É importante que existam serviços que ajudem as crianças que testemunharam agressões a elaborar e superar o que viveram. Só assim a gente rompe o ciclo da violência”.

“Proteger a criança é dever do Estado, da família e da sociedade”

Camila lembra que, mesmo quando a violência física ou verbal é direcionada à mulher, as crianças também estão em condições de vítimas — por isso, é importante enxergá-las como sujeitos de direito, “e não como meros objetos, que estão no canto da sala, observando tudo sem serem impactadas”.

Para a assistente social, “é preciso mudar a cultura que permite a violência no âmbito doméstico”.

“A lei diz que é dever do Estado, da família e da sociedade proteger a criança. Ou seja, cabe a todos superar a questão do sigilo doméstico para evitar que essa mulher e essa criança tenham seus direitos violados, seja denunciando a violência ao Conselho Tutelar ou aos canais oficiais de denúncia, seja encaminhando a mulher e a criança a serviços de assistência”, diz Camila.

“Mas o ditado popular [em briga de marido e mulher não se mete a colher] reforça a cultura da permissividade da violência dentro de casa. Enquanto isso não acontecer, crianças continuarão presenciando cenas de violência.”

Como denunciar

Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, ligue para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher, ou o 123, de denúncias de violação de Direitos Humanos. Se for uma situação de urgência, ligue o 190. 

 

da redação, com informações do portal Universa

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