“Você não é louca!” Cartilha orienta mulheres vítimas de violência psicológica

No começo, tudo parecia especial e diferente. Ele fazia de tudo pra me agradar, me enchia de presentes, elogiava meu trabalho, dizia que eu era a mulher mais linda do mundo.

Cerca de 1 ano depois, eu não me sentia mais segura para trabalhar, havia engordado muito, estava muito perto de me tornar dependente de álcool e meu círculo de amizades tinha se resumido a dois ou três amigos, que na verdade, eram amigos dele. Eu precisava da sua “autorização” até para visitar meus pais. Demorei muito tempo pra perceber que vivi um relacionamento abusivo, porque ele não me agredia fisicamente, então na minha cabeça, tava tudo bem”.

O relato é da estudante Mirella*, de 25 anos, e demonstra um tipo de violência muito comum, mas de difícil identificação: a violência psicológica.

Pensando nessa dificuldade, o SO.MA – Coletiva Sociedade Matriarcal, lançou a cartilha “Você não é louca!”, que tem objetivo específico em esclarecer e informar o que é o abuso psicológico, como ele surge, como identificá-lo e quais ações possíveis para combatê-lo. A cartilha também apresenta informações sobre características específicas dos agressores e aponta redes de acolhimento, apoio e denúncia que uma mulher pode buscar ao se identificar como uma possível vítima de violência psicológica.

A cartilha foi elaborada por uma equipe multidisciplinar composta pela advogada Thais Gineti; a psicóloga Nay Macedo; pela pesquisadora e doutoranda em Serviço Social, Juliana Márcia S. Santos; pela graduanda em medicina Victoria Tannure; e pela pedagoga Ivana Moura, além de outras parceiras da Coletiva SO.MA que preferiram manter anonimato.

Juliana Márcia aponta que o maior desafio da produção de dados sobre a violência psicológica está justamente na identificação deste tipo de violência tendo em vista que muitas pessoas só percebem que foram vítimas quando são questionadas por psicólogos e/ou assistentes sociais. “Em significativa parte das situações, o contato com esses profissionais se dá nos atendimentos nas delegacias ou serviços de saúde após a ocorrência de outros tipos de violência como a violência física, material ou sexual”.

Victória Tannure explica que a violência psicológica é aquela praticada sem agressões físicas, mas que abala o psicológico da mulher, destrói sua autoestima, mexe com o emocional, e constantemente a coloca numa posição de humilhação. “Apesar de ser uma violência sutil, ela é identificada por ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento (proibir de estudar, viajar, falar com amigos e parentes), vigilância constante, perseguição, chantagem, exploração, ridicularização, distorção e omissão de fatos para deixar a mulher em dúvida sobre sua memória e sanidade”.

O caso de Mirella, no início da matéria, engloba quase todos os sinais de um abuso psicológico.

Eu vivia numa eterna montanha russa, parei de me preocupar comigo, com meu trabalho, com minha família. Vivia isolada e não tinha coragem de contar à ninguém, porque ele era o ‘cara legal’ e morria de medo de não acreditarem em mim. Até o que eu assistia na TV ele queria controlar e chegou ao ponto de ter a senha do meu e-mail e das minhas redes sociais.

No final de 2020, eu estava numa consulta médica e ele me ligou várias vezes, eu só vi as ligações depois. Tentei ligar de volta mas ele não me atendeu e passou o resto do dia sem me responder. Eu tive uma crise de pânico e precisei de atendimento médico. Minha mãe me ajudou e me alertou: ‘Você acha que merece isso pra sua vida?’. Coloquei um ponto final na história, mas demorei mais de 1 ano pra me recuperar e ainda hoje me pergunto o porquê de ter deixado aquilo tudo acontecer comigo

Além da crise de pânico que Mirella sofreu, outros sintomas podem surgir como consequência do abuso psicológico: vômitos, dores de cabeça, taquicardia, paralisia facial e transtornos mentais mais preocupantes como estresse pós traumático e depressão.

Assim como as outras formas de violência contra a mulher tipificadas na Lei Maria da Penha, a violência psicológica também é passível de punição. Prints de mensagens e testemunhas ajudam no processo e a pena para esse tipo crime é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

A cartilha completa está disponível no link Você não é louca!. O coletivo SO.MA também possui um perfil no Instagram com outras orientações.

 

Taty Valéria

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