“Não houve assédio”: entenda o que de fato aconteceu numa faculdade em Campina Grande

Uma confusão generalizada tomou conta da Faculdade Maurício de Nassau, na noite da última terça-feira (19), em Campina Grande. Vídeos que circularam nas redes sociais apontavam um suposto caso de assédio, envolvendo um suposto pastor evangélico, sua esposa, e uma aluna. Nada fazia muito sentido nas narrativas que se apresentavam. Questões que envolvem a vida íntima não nos interessam, mas a suposição de haver um crime de assédio, mereceu uma apuração mais delicada.

E não, não houve assédio. Mas houve ameaça, difamação, descontrole, fanatismo religioso, masculinidade frágil e uma provável omissão da faculdade em lidar com um problema que poderia ter sido resolvido sem que a polícia precisasse ser chamada, um Boletim de Ocorrência fosse lavrado e um inquérito instaurado. Também teria evitado que uma jovem se envolvesse, sem seu conhecimento e consentimento, numa briga que definitivamente, não era dela.

Ordem cronológica

No início de 2023, a turma do 6º período de Direito da faculdade Maurício de Nassau recebeu um novo aluno, Maurício Felix, morador da cidade de uma cidade próxima à Campina Grande e que se apresentava como pastor evangélico. Não chegou a estabelecer uma relação de amizade com o restante da turma, a não ser quando precisava de ajuda para produzir os trabalhos pedidos em sala de aula.

O pastor se deslocava para assistir às aulas acompanhado da esposa, Risolene Dionísio, que mesmo não sendo matriculada em qualquer curso ou qualquer turma, frequentava os ambientes comuns da unidade e aguardava, todos os dias, o fim das aulas do companheiro. Ela também não chegou a estabelecer nenhum contato com qualquer aluna ou aluno.

No início do mês de agosto, o pastor solicitou de Luana Kézia que ela produzisse um trabalho do curso. Ela recusou de forma educada e a vida seguiu. Logo após esse pedido, a esposa do pastor começou a enviar à jovem mensagens ameaçadoras. Nas mensagens de áudio, a mulher acusava a jovem de ter um caso com seu marido, de ser garota de programa, e ser uma “pomga-gira”. Também enviou uma outra mensagem de voz, gravada pelo próprio pastor num contexto não explicado (e que tivemos acesso) em que ele afirma que sim, tinha um caso não apenas com Luana, mas com outras jovens do curso.

De acordo com Isabel Macedo, aluna da mesma turma e que acompanhou toda a história, as jovens envolvidas procuraram a coordenação da faculdade para que tentassem uma forma de resolver essa questão. “Nós procuramos o coordenador, pedimos que ele conversasse com o pastor, porque aquilo não fazia o menor sentido. Nem Luana nem qualquer outra teve um ‘caso’, ele só interagia com a turma pra pedir pra alguém fazer os trabalhos pra ele”, diz a jovem afirmando que a coordenação se limitou a dizer que conversaria com pastor quando ele voltasse a assistir aula. “Eles passaram uns dias sem pisar na faculdade”, disse Isabel

Até que na noite desta terça-feira (19), o pastor apareceu, e sim, estava acompanhado da esposa. Ao entrar na sala de aula, o pastor foi comunicado pelo professor que o aguardavam na coordenação. A reação do pastor foi ficam em frente à turma e questionar os motivos de “estarem falando dele, que ele não tinha nada a ver com a esposa e quem quisesse tomar satisfações com ela, que ficasse à vontade”. O tom da fala era de deboche.

Maurício Felix e Risolene Dionísio

Ao chegarem na sala da coordenação, o pastor apontou para a esposa e disse. “Olha ali minha mulher, quem vai ter coragem de peitar?” Deu-se início à uma confusão com a esposa segurando uma Bíblia. Um professor sugeriu chamar a polícia.

“Ninguém da faculdade foi junto pra delegacia, nem deu qualquer tipo de suporte”, afirmou Bell, que acompanhou a amiga Luana, que por sua vez, prestou queixa contra o casal por difamação, calúnia, perseguição e intolerância religiosa.

“Em nenhum momento falei que sofri assédio”

Luana Kézia, a principal vítima de toda essa grande confusão, tentou prestar um Boletim de Ocorrências contra Maurício quando tomou conhecimento dos áudios em que ele afirmava ter um caso não só com ela, mas com outras meninas da turma. “Eu não tinha os dados dele, então não consegui fazer o BO”, disse a estudante em entrevista ao Paraíba Feminina, onde afirma, ainda, que a esposa do pastor chegou a solicitar da Coordenação da Faculdade que ela fosse transferida para outra turma. “O coordenador falou que não iria fazer isso porque, caso existisse uma situação desse tipo, ela deveria resolver com o marido”, afirmou Luana.

O que poderia ter sido resolvido com uma conversa simples, se transformou numa bola de neve. Alguns portais e perfis campinenses sustentaram a versão do assédio e Luana afirma categoricamente. “Jamais saiu da minha boca a palavra assédio. Eu nunca o acusei de assédio, isso nunca aconteceu. Eu sou estudante de Direito, jamais faria uma acusação desse tipo. A mídia daqui criou isso tudo e agora estão me culpando por algo que não fiz e não falei em momento algum“. O Boletim de Ocorrência demonstra claramente que não houve qualquer acusação de assédio por parte de Luana.

Ainda na noite do dia 19, Luana fez um Boletim de Ocorrência e a Audiência de Conciliação está marcada para o dia 6 de outubro. “O ideal seria que ele fosse expulso da faculdade, mas se ele for apenas transferido de turma, já me dou por satisfeita. Não tenho a menor condição de conviver com esse homem”.

De todas as informações colhidas até então, persiste a dúvida sobre os motivos que levaram Maurício Félix a criar toda essa situação fantasiosa. Tanto na coordenação do curso, quanto na Delegacia, ele não conseguiu se explicar.

Resposta da Uninassau

Procurada pela redação do Paraíba Feminina, a Uninassau foi questionada sobre três pontos específicos: Por que a faculdade não tomou alguma providência desde que tomou conhecimento das ameaças contra a aluna? Por que a faculdade não mandou qualquer representante até à delegacia? A faculdade está dando algum suporte para a vítima?

Segue a resposta na íntegra:

“A Uninassau de Campina Grande informa que tomou conhecimento do suposto caso de assédio a alunas por parte de um estudante da unidade e enfatiza que repudia todo e qualquer ato do tipo.

Ciente das denúncias, a Universidade ressalta que se coloca à disposição das investigações e, em paralelo, está abrindo um processo disciplinar para investigar as denúncias. Caso as acusações sejam comprovadas, todas as medidas cabíveis previstas no regulamento da instituição serão tomadas”.

Taty Valéria e Márcia Marques

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