PL do Estupro: Brasil retrocedeu 84 anos e se tornou refém do fanatismo religioso

Corria o ano de 2007 quando o Projeto de Lei 478, conhecido como o Estatuto do Nascituro, foi lançado. O presidente Lula havia iniciado seu segundo mandato, estava com a popularidade em alta e tinha o Congresso Nacional sob controle. Naquele ano, o Estatuto do Nascituro foi “enterrado” pelo próprio Congresso e pela mídia. Não havia espaço para o debate que o PL se propunha.

Mas a Terra plana girou. Passamos por golpe de um falso impeachment, por um governo de imbecis, por uma pandemia devastadora, por um aumento visível dos crimes de ódio, pelo cotidiano das fake news, pelo avanço da extrema direita e pelo assustador poder do fanatismo religioso.

Chegamos em junho de 2024 e o Congresso Nacional coloca em votação de regime de urgência, o PL 1904, que criminaliza o aborto a partir da 22ª semana de gestação e transforma o ato – garantido por lei no Código Civil de 1940 – em homicídio. Em linhas gerais, uma jovem estuprada que resolver interromper a gestação nesse período, pode ter uma pena maior que o estuprador que a violentou.

Homens, no geral, não alcançam o que representa uma violência sexual. (não por acaso, são eles os grandes defensores do “direito à vida” de um feto, em detrimento do direito à vida de mulheres violentadas). Lembrei de um certo cidadão, casado, que fazia parte do meu círculo social: confrontado à dar sua opinião sobre o tema, se limitou a responder que o “correto” seria ter o filho e entregar para adoção. Meses antes, esse mesmo cidadão havia sugerido à amante interromper a gravidez. Não, ele não era evangélico, muito menos da extrema direita. Era só, um homem.

Voltando à pauta, o PL do Estupro é uma aberração. E também é inconstitucional. Todos sabem disso. Numa hipótese crítica de passar por votação e sanção presidencial, será derrubado pelo Superior Tribunal de Justiça. Pessoalmente falando, não creio que se transforme em lei, muito embora já aconteça. (ao final deste texto, deixarei uma lista de links de matérias relativas ao tema). O ponto aqui é outro.

Como o próprio Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) autor do PL do Estupro afirmou, tudo não passa de um teste para o presidente Lula. A intenção é atestar o compromisso com a classe evangélica. À CNN, ele disse que o projeto deve ser aprovado com tranquilidade e que, inclusive, há acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para que o texto seja pautado.

Outro ponto que deve ser levado em consideração é que estamos em ano de eleições municipais. A base de votos dos deputados federais é toda costurada durante esse processo. É quando acontece o êxodo dos parlamentares, que inclusive, já se inicia a partir das festas de São João, especialmente no Nordeste. O trunfo da PL do Estupro será de muita serventia nos currais, ops, redutos eleitorais. A narrativa está pronta. “Estamos trabalhando em Brasília para evitar o assassinato de crianças e bebês nos hospitais!”. Isso talvez explique, em parte, o posicionamento dos deputados federais paraibanos, que à exceção de Luiz Couto, continuam em silêncio sobre o tema.

Em resumo, retrocedemos 84 anos no debate. Já estamos atrasados na questão da LEGALIZAÇÃO, mas ao invés disso, estamos brigando e gritando por manutenção de direitos! É inimaginável que isso esteja acontecendo nesse momento, com um governo que se diz progressista, mas que se encontra em situação de cárcere e que permite submeter meninas e mulheres à moeda de troca.

Quer saber mais sobre o PL do Estupro? Assista aqui:

 

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